as Lagoas da Estrela

[ para além do Covão dos Conchos ]

O Covão dos Conchos, bem perto da Lagoa Comprida, encontra-se inserido num vasto e biodiverso complexo de lagoas de montanha. Aqui coexistem lagoas naturais, charcas temporárias e um importante sistema de represas para aproveitamento do potencial hidroeléctrico das águas da Serra da Estrela.

Em conjunto, essas lagoas, charcas e represas, formam um ecossistema de grande importância ecológica e onde ocorrem algumas espécies de fauna e flora únicas em Portugal.

No entanto (apesar do elevado valor e interesse do património natural que aqui sempre existiu), terá sido o “funil” de descarga de uma das represas artificiais que (de forma viral) se viria a tornar motivo de uma romaria de montanha sem precedentes em Portugal.

No entanto, a Estrela tem tanto mais para conhecer que, seguindo o desafio lançado pelo Nuno Meireles (o meu ilustre anfitrião da aldeia do Sabugueiro), criei aqui esta espécie de “guia alternativo” para vir visitar as lagoas naturais para além do Covão dos Conchos.

Seguindo este guia, vais poder caminhar por veredas de montanha, explorar as verdadeiras lagoas naturais da nossa Serra e, como bónus, descobrir os mistérios da Lagoa Escura!

Mapa do Covão dos Conchos
Mapa das Lagoas da Estrela e do Covão dos Conchos

O PERCURSO

O percurso habitual para visitar o Covão dos Conchos é um traçado linear com ida e volta pelo mesmo caminho (cerca de 9 km – 4.5 km para cada lado). Apesar das vistas agradáveis para a Lagoa Comprida, o caminho (por vezes bastante degradado) acaba por ser demasiado monótono e por pouco mais oferecer do que uma chegada rápida ao Covão dos Conchos.

Por outro lado, a nossa proposta de percurso é um traçado circular por veredas de montanha, que se adentra pelo planalto e que visita uma mão cheia de lagoas naturais de rara beleza. O início e fim do percurso é, tal como no caminho de ida e volta mais habitual, no estacionamento junto ao paredão da Lagoa Comprida.

Apesar da dificuldade do percurso não ser demasiado elevada (desde que a meteorologia esteja do nosso lado), as veredas de montanha são sempre naturalmente irregulares e obrigam a particular atenção à nossa orientação. As veredas encontram-se quase sempre bem sinalizadas por mariolas (pequenos montes de pedras estrategicamente colocados e que vão indicando o caminho a seguir), mas é recomendado o uso de GPS (track disponível para download no fundo da página).

A primeira parte do percurso, até chegar ao Covão dos Conchos, é a mais acessível, com desníveis reduzidos e veredas bem definidas . A partir daí o nosso percurso será o mesmo que habitualmente é seguido pelos visitantes do Covão dos Conchos, até se voltar a separar de modo a contornar a Lagoa Comprida pela margem oposta. Esta segunda parte da rota é um pouco mais exigente (em termos físicos e de orientação) do que o percurso seguido até aqui, pelo que têm aqui a possibilidade de regressar directamente ao estacionamento pelo caminho “normal” em caso de cansaço ou da hora já ser tardia.

A “versão completa” da nossa rota tem uma distância total de 11.6 km a percorrer e um desnível acumulado positivo de 305 metros, sendo que a “versão curta” tem cerca de 9.1 km e 220 metros de desnível acumulado (a versão curta tem aproximadamente a mesma distância e desnível acumulado que a rota habitual de ida e volta). No entanto, este números são apenas indicadores e é preciso ter em consideração a irregularidade natural das veredas de montanha e eventuais condições meteorológicas adversas.

Esta rota decorre em terreno de montanha e a uma altitude significativa (entre os 1500 e os 1700 metros acima do nível do mar), sujeita a condições ou variações meteorológicas extremas. Analisem previamente as previsões meteorológicas e usem sempre vestuário e equipamento adequado à época do ano e às condições previstas.

Vê a rota e descarrega o track GPS no AllTrails!

O registo na plataforma AllTrails é gratuito e podes ter acesso a milhares de outras rotas em Portugal. Podes também descarregar a App para o teu telemóvel, que podes usar para te orientares durante as caminhadas e registares os teus próprios percursos.

Lagoa Comprida: o início

O nosso percurso inicia-se junto à Lagoa Comprida. No local existe estacionamento e umas barraquinhas onde podemos ir beber uma aguardente de zimbro ou comprar um queijo da Serra. Depois de metida a mochila às costas, é preciso caminhar algumas dezenas de metros ao longo da estrada nacional antes de enveredar pelo caminho traçado pelas lajes de betão que cobrem o canal.

As lajes de betão que cobrem o canal são bastante sólidas e aguentam o peso dos caminhantes, mas a recomendação será de caminhar pela vereda lateral que acompanha (quase) sempre o canal.

Este canal faz parte do complexo sistema de aproveitamento hidroeléctrico da Serra da Estrela e conduz a água da Lagoa Comprida até à represa do Covão do Forno, que por sua vez envia as águas até à câmara de carga e à Central do Sabugueiro (onde a força das águas faz mover as enormes turbinas que produzem a energia eléctrica). Mas, ainda a montante de todo este sistema, também a Lagoa Comprida é alimentada através de canais subterrâneos por duas outras represas: a represa do Covão do Meio (na Garganta de Loriga) e a represa do Covão dos Conchos (que mais tarde iremos visitar).

Canal do Covão do Forno
Início da rota sobre o canal que liga a Lagoa Comprida à represa do Covão do Forno

Covão do Forno

Seguindo caminho ao longo do canal, rapidamente chegamos à represa do Covão do Forno. O percurso segue ao longo do paredão da represa, mas sem dúvida que vale a pena parar aqui um pouco para apreciar a vista e a serenidade do local.

Depois de atravessarmos o paredão, o nosso caminho volta a seguir ao longo do canal, mas apenas durante algumas centenas de metros. Ao chegarmos a uma pequena represa (que também contribui para o aproveitamento hidroeléctrico), iremos finalmente deixar o canal para trás.

É preciso agora caminhar sobre o muro da pequena represa. A travessia não oferece dificuldades, mas atenção ao vosso equilíbrio para não tomarem um banho mais cedo do que o esperado!

A partir daqui o nosso caminho será por veredas e a orientação ditada pelas mariolas. Para facilitar a orientação, não se esqueçam de levar GPS ou pelo menos colocar o track no telemóvel e usar alguma aplicação (eu uso e recomendo o GPX Viewer por ser de uso gratuito e bastante intuitivo).

Covão do Forno - Serra da Estrela
Represa do Covão do Forno

Queres saber mais sobre o que vestir para caminhar na montanha?

Segue o link e lê o artigo que escrevi para o site da Decathlon!
Lagoas da Serra da Estrela - Covão dos Conchos
Travessia ao longo do muro da pequena represa

Até chegarmos ao Covão dos Conchos, todo o caminho será por uma vereda recentemente criada e que não oferece grandes dificuldades de orientação, mas para quem tiver pouca (ou nenhuma) experiência a caminhar na montanha, será sempre preciso uma atenção redobrada.

As veredas são naturalmente irregulares e as pequenas dificuldades do caminho fazem parte da experiência de caminhar na montanha.

Lagoas da Estrela - Covão dos Conchos
Aspecto de um troço da vereda que percorre as lagoas

Já conheces os Passadiços do Mondego?

Segue o link e fica a saber (quase) tudo para planear a tua próxima visita aos novos Passadiços do Mondego!

Lagoa Seca

A primeira das lagoas naturais que vamos conhecer é a Lagoa Seca. À semelhança das restantes lagoas naturais do planalto da Serra da Estrela, também esta lagoa terá tido uma origem glaciária, ou seja, foi resultante da sobreescavação causada pela passagem das massas de gelo durante última glaciação (saibam mais sobre o efeito das glaciações na Serra da Estrela no site do Estrela Geopark).

Actualmente a Lagoa Seca encontra-se praticamente colmatada de sedimentos, mas funcionando igualmente como um importantíssimo reservatório de água, para além de albergar uma biodiversidade incrível. Na verdade, são as zonas húmidas como esta que mais contribuem para a recarga dos aquíferos subterrâneos, funcionando como autênticas esponjas gigantes e permitindo que as fontes e os rios que nascem na Serra possam correr todo o ano.

Lagoas da Estrela - Lagoa Seca
Vista sobre a Lagoa Seca

Lagoa Redonda

Seguindo caminho pela nossa vereda, agora em subida suave, rapidamente chegamos à Lagoa Redonda. Encaixada num pequeno anfiteatro natural, também originado pela acção transformadora dos glaciares, a Lagoa Redonda é uma das mais intocadas lagoas naturais da Serra da Estrela

De modo a manter este local livre de perturbação, mantenham-se sempre na vereda sinalizada e observem (ou fotografem) à distância. 

O terreno agora ficará um pouco mais irregular e a nossa vereda terá que ir contornando essas dificuldades que nos surgem ao caminho. Regra geral, a vereda é bastante perceptível e as mariolas que vão surgindo aqui e acolá ajudam à orientação, mesmo em dias de menor visibilidade por causa da neve ou do nevoeiro. Afinal de contas, as mariolas são marcações do território usadas desde tempos imemoriais por pastores e todos os outros que caminham nas montanhas.

Lagoa Redonda - Serra da Estrela
Vista sobre a Lagoa Redonda

Entre a Lagoa Redonda e o Covão dos Conchos, é possível observar à distância a represa do Lagoacho, outra das represas que faz parte do sistema de aproveitamento hidroeléctrico da Serra da Estrela. É no Lagoacho que são recebidas as águas da mais conhecida represa do Vale do Rossim e da pequena represa da Erva da Fome, águas que posteriormente são também enviadas para a Central do Sabugueiro, onde a sua energia será transformada em electricidade.

Um pouco mais perto de nós, quase imediatamente à nossa esquerda, podemos ver o enorme cervunal no fundo quase plano da Nave Descida. Os cervunais, assim chamados pelo nome da erva (Cervum) que domina este habitat, são extensos arrelvados naturais em zonas aplanadas (muitas vezes no fundo mais fértil e húmido dos vales) e que consistem nas melhores pastagens da Serra da Estrela. Se alguma vez se questionaram porque é que o Queijo da Serra tem um sabor tão especial, talvez a resposta esteja aqui!

Lagoas da Estrela - Covão dos Conchos
O meu anfitrião Nuno Meireles

Já segues o instagram da Sambuc’asa?

O projecto do Nuno Meireles é muito mais que apenas um alojamento de montanha. Acompanha o Nuno e fica a conhecer tudo sobre o Sabugueiro!

Covão dos Conchos

E eis que chegamos ao Covão dos Conchos.

Para muitos será o ponto alto do dia, mas acredito que para muitos outros, que até aqui foram aprendendo a observar e valorizar as verdadeira maravilhas naturais da Serra da Estrela, o tal funil de descarga não passará de mais uma interessante curiosidade.

E, se até aqui éramos só nós e a montanha, poderá até ser um choque chegar a um local tão despropositadamente ruidoso e perturbado, onde os visitantes fazem fila para tirar a “selfie com o funil”, os lenços “higiénicos” descartados se multiplicam atrás de cada arbusto e até os jipes mais fumarentos tentam a todo o custo estacionar o mais perto da represa, mesmo que para isso tenham que destruir habitats de elevado valor de conservação.

Pode parecer uma visão demasiado negativa, mas infelizmente é a realidade que se repete a cada fim-de-semana de bom tempo.

A nossa recomendação, para quem aprecia a pacatez da montanha, é de evitar a visita nestes períodos de maior procura, pois durante a semana poderemos sem dúvida desfrutar bem melhor da caminhada e de cada lugar.

Mas, seja mais ou menos demorada a visita ao Covão dos Conchos, será hora de seguir caminho.

Covão dos Conchos - Serra da Estrela
O famoso "funil" da represa do Covão dos Conchos

Impactes negativos da popularidade do Covão dos Conchos

O “funil” do Covão dos Conchos tornou-se, nos últimos anos, um estranho caso de popularidade na Serra da Estrela. Milhares de pessoas (que muitas vezes nunca tinham sequer feito uma caminhada na vida) acorrem anualmente a este local, formando verdadeiras romarias a cada fim-de-semana que a meteorologia permita.

Mas, o que poderia ser um caso de sucesso para o turismo da Serra Estrela, esconde uma trágica realidade. A massificação deste destino, em conjunto com a falta de sensibilidade para visitar uma área protegida de montanha por alguns dos visitantes, em muito tem contribuído para a degradação de um ecossistema particularmente sensível. O lixo, em particular os lenços de papel usados como papel higiénico e descartados na berma do caminho, marcam todo o traçado desde o estacionamento na Lagoa Comprida até ao Covão dos Conchos. E os rodados dos muitos jipes que ali querem chegar a todo o custo (mesmo que o trânsito automóvel ali seja absolutamente ilegal) têm causado um terrível impacte ecológico, que nalguns aspectos poderá ser mesmo irreversível.

Na imagem abaixo podemos ver alguns dos muitos exemplos do impacte causado pelas más práticas de alguns visitantes, com destaque para a destruição quase total de uma comunidade de Orvalhinha pela passagem dos veículos 4×4 (canto superior esquerdo) que existia numa zona húmida junto ao caminho. A Orvalhinha (Drosera rotundifolia) é uma das raras plantas carnívoras existentes em Portugal e que na Serra da Estrela ainda vai sendo possível encontrar.

Lagoa dos Conchos - impactes negativos
Exemplos do impacte ambiental causado pelas más práticas de alguns visitantes: lenços higiénicos descartados, circulação ilegal de veículos 4x4 e a destruição de uma comunidade de Orvalhinha (Drosera rotundifolia)

Regresso à Lagoa Comprida

A partir do Covão dos Conchos iremos caminhar por um antigo caminho, mais largo e que terá sido criado para a construção da represa do Covão dos Conchos. Ao longo deste caminho, que é também partilhado com a rota habitualmente seguida pelos visitantes do Covão dos Conchos, serão visíveis muitos dos impactes da massificação turística deste destino. Mas, se levantarmos os olhos do chão, teremos à nossa volta uma paisagem incrível a toda a nossa volta!

Aqui em cima no planalto os horizontes parecem infinitos. Ao fundo, entre os recortes de granito que separam a terra do céu, o olho mais atento distingue sem dificuldade as silhuetas dos Cântaros. Aqui, onde estamos, a planura deixada pela passagem do glaciar contrasta com os imponentes horizontes de rocha.

A paisagem é agreste e reflecte o rigor dos invernos. Mas nem os ventos gelados, nem a neve que cobre a Serra durante meses a fio, impedem o Zimbro de dominar a paisagem sub-alpina da nossa Estrela. Para fazer frente às condições extremas que aqui ocorrem, o Zimbro (Juniperus communis ssp alpina) cresce rente ao chão formando almofadas compactas, numa estratégia que também é seguida pelas plantas das ventosas arribas e dunas marítimas da nossa costa. E é do Zimbro que os pastores recolhem as suas bagas para aromatizar a famosa aguardente serrana, dando-lhe o seu travo tão característico.

Lagoas da Estrela - Covão dos Conchos
Planalto serrano dominado por Zimbro em almofada

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Charcas Temporárias

Para além das lagoas naturais e permanentes, existem por aqui inúmeras pequenas charcas temporárias que enchem o planalto de vida a cada Primavera.

As charcas temporárias, umas mais temporárias que outras, são habitats prioritários de conservação e são dos ecossistemas mais ameaçados da Serra da Estrela. É nelas que vivem e se reproduzem inúmeras espécies de anfíbios e de invertebrados, essenciais ao equilíbrio dos ecossistemas de montanha.

Devido às alterações climáticas (com o aumento da temperatura média do ar e uma maior incerteza dos valores de precipitação) as charcas temporárias estão na linha da frente dos ecossistemas mais ameaçados num futuro próximo. Mas se em relação ao clima pouco podemos fazer, depende de cada um de nós que visita a Serra da Estrela evitar causar qualquer perturbação junto destas charcas, por exemplo evitando pisotear as suas margens, deixar lixo ou recolher plantas, por mais bonitos que sejam os narcisos que aqui abundam na Primavera!

Charcas temporárias do planalto serrano
Charcas temporárias do planalto serrano

A separação dos caminhos: visitar a Lagoa Escura ou atalhar caminho de regresso

Ao chegarmos perto das águas da Lagoa Comprida teremos a opção de continuar na rota em direcção à Lagoa Escura ou atalhar caminho e regressar directamente ao estacionamento junto à Lagoa Comprida.

 

Para caminheiros experimentados a escolha é óbvia, mas se as dificuldades que sentiram até aqui já foram significativas, a opção mais sensata poderá ser regressar pelo caminho mais directo, pois a partir de agora o percurso será fisicamente mais exigente, com mais trepadas e com orientação um pouco mais complicada.

O regresso directo é feito pelo estradão (deixando a Lagoa Comprida à nossa esquerda) e será apenas necessário percorrer 2 km por bom caminho até regressar ao estacionamento onde havíamos começado a caminhada.

Para continuarmos a nossa rota, o caminho a seguir será pelo desvio à esquerda. Seguindo por aqui teremos que percorrer 4,6 km até ao final da rota, mas todo o caminho será por veredas com um grau de dificuldade um pouco superior às veredas por onde caminhamos até agora.

Vejam o mapa para ter uma melhor percepção do terreno e das vossas opções.

A “versão completa” da nossa rota tem uma distância total de 11.6 km a percorrer e um desnível acumulado positivo de 305 metros, sendo que a “versão curta” tem cerca de 9.1 km e 220 metros de desnível acumulado (a versão curta tem aproximadamente a mesma distância e desnível acumulado que a rota habitual de ida e volta).

Lagoas da Estrela - Lagoa Comprida
O caminho que contorna o recuo da Lagoa Comprida e que dá acesso à Lagoa Escura

A caminho da Lagoa Escura

Optaram por seguir caminho connosco? Boa escolha!

Este primeiro troço do caminho, hoje em dia pouco percorrido, terá sido criado aquando das obras para a abertura do túnel que liga a Lagoa Comprida à represa do Covão do Meio, que desvia as águas que correm pela Garganta de Loriga para produzir electricidade deste lado da Serra. Com quase 2 km e meio, a abertura deste túnel através do granito da Estrela deverá ter sido um enorme desafio à tecnologia da época.

As ruínas dos edifícios ainda permanecem no local, mas o mesmo não podemos dizer da ponte que permitia atravessar um pequeno curso de água. Durante o Verão a passagem é fácil, mas quando o caudal é demasiado será necessário procurar o melhor sítio para atravessar e saltar de pedra em pedra, de preferência sem cair à água ou sem molhar os pés!

Chegados à saída do túnel, mais uma vez parece que não há caminho por onde seguir, pois o canal que recebe as águas do Covão do Meio (Garganta de Loriga) corta-nos o caminho desde a saída do túnel. Mas, olhando com atenção é possível encontrar caminho por cima da entrada do próprio túnel: basta contornar a rocha pelo lado esquerdo do túnel e fazer uma trepada fácil, descendo depois uns metros mais à frente, já do outro lado do canal.

Lagoas da Estrela - Túnel da Lagoa Comprida
Canal a céu aberto no final do túnel que liga o Covão do Meio à Lagoa Comprida

Após a travessia do canal, iremos caminhar quase sempre sobre a rocha nua e procurando a melhor forma de chegar até à próxima mariola que assinale a direcção correcta a seguir. Se seguirmos pelo melhor caminho, raramente existirão obstáculos de maior dificuldade.

A rocha granítica aqui deixada quase totalmente a descoberto, foi o resultado da passagem das massas de gelo do glaciar que aqui terá “escorregado” lentamente durante cerca de 100.000 anos. A força impressionante do glaciar terá levado à sua passagem tudo o que não estivesse firmemente “agarrado ao chão” e polindo a superfície de tudo o resto. 

No entanto, aqui e ali é possível observar grandes blocos de granito soltos, quase como se ali tivessem sido depositados por mão humana em cima da rocha nua. Esses blocos são também testemunhos da glaciação, tendo sido depositados à medida que o glaciar foi recuando com o aumento das temperaturas que terá ditado o fim da Glaciação de Wurm, há cerca de 10.000 anos atrás.

Caminhada de Montanha na Serra da Estrela

Estás à procura de um desafio diferente?

A rota do Maciço Central (PR5 MTG) pelo Vale Glaciário da Candeeira é uma das melhores caminhadas de montanha para fazer em Portugal.
Segue o link e fica a saber (quase) tudo sobre esta rota e sobre o Vale da Candeeira!
Acesso à Lagoa Escura - Serra da Estrela
Aqui as veredas dão lugar a um labirinto invisível na rocha nua

Os Mistérios da Lagoa Escura

E finalmente avistamos a Lagoa Escura. Encravada entre um mar de rocha, surge a mais lendária lagoa da Serra da Estrela!

Mas espera… lendária? Ok… ainda não falámos disso, mas esta lagoa tem algo de especial que a torna diferente de todas as outras…

Não se sabe ao certo a origem da lenda, mas entre os pastores e comunidades locais sempre circularam os rumores de que esta lagoa não tinha fundo, que era uma espécie de “braço de mar” ou “olho marinho”, que nela habitavam tenebrosos monstros marinhos e que em noites de tempestade surgiam nela destroços de navios a flutuar (vê aqui mais sobre a lenda da Lagoa Escura).

Mas estas histórias não se ficaram apenas entre as gentes serranas e até Herman Melville lhe faz referência no famoso livro “Moby Dick:

(…) So that here, in the real living experience of living men, the prodigies related in old times of the inland Strello mountain in Portugal (near whose top there was said to be a lake in which the wrecks of ships floated up to the surface) (…)

Moby Dick, Herman Melville 

Durante gerações e gerações estas lendas terão passado de pais para filhos, e que à falta de contraditório, provavelmente as teriam como verdades irrefutáveis.

Mas terá sido em 1881, aquando da primeira expedição científica realizada à Serra da Estrela pela “Sociedade de Geographia de Lisboa”, que o mito da Lagoa Escura foi pela primeira vez posto à prova.

Conduzidos por guias locais, crentes nos mitos da lagoa, os intrépidos expedicionários desafiaram a lenda e provaram que a lagoa efectivamente tinha fundo. Dizem os relatos da época que, apesar dos insistentes avisos dos guias locais, os expedicionários se fizeram à água e, usando uma balsa de lona, até fizeram o levantamento batimétrico do fundo da lagoa, concluindo até que no seu ponto mais profundo a lagoa teria cerca de 15 metros.

Lagoa Escura - Serra da Estrela
Chegada à Lagoa Escura, com a Lagoa Comprida em fundo

Mas, mesmo depois de desmontado o mito, há sempre quem queira continuar a acreditar. Quem sabe se não haverá uma “verdade alternativa” por trás dos mistérios da Lagoa Escura?

E foi isso mesmo que o Nuno Matos Valente, reputado especialista em monstros imaginários, se propôs a fazer quando há uns anos atrás me pediu para o guiar pelas entranhas da Serra em busca dos segredos da Lagoa Escura. E o resultado? O resultado terão mesmo que ler por vocês próprios, mas deixo já o spoiler que o Segredo da Lagoa Escura vai mexer de forma fantástica com o vosso imaginário, desde a primeira à última página. Obrigado Nuno, por teres criado um dos melhores romances sobre a minha Serra da Estrela!

Monstro da Lagoa Escura
Raro avistamento do Monstro da Lagoa Escura documentado em fotografia (nota: não é Photoshop)

Regresso ao ponto de partida

Depois da pausa junto à Lagoa Escura (em que com alguma sorte conseguirão avistar algum monstro marinho) é tempo de regressar até ao ponto inicial da nossa caminhada junto ao estacionamento da Lagoa Comprida.

O caminho será agora sempre em descida até chegarmos ao paredão da Lagoa Comprida, mas nem sempre será fácil de perceber qual o melhor caminho a seguir. Usem o GPS como linha de orientação e sigam as mariolas. Apesar de aqui não existirem grandes escarpas, facilmente nos iremos deparar com ressaltos de rocha que nos dizem claramente que o melhor caminho não será por ali. Na dúvida, em vez de forçar caminho em frente, parem ou regressem um pouco atrás até à última mariola e tentem perceber qual realmente será o melhor caminho.

Esta parte da rota é sem dúvida a de mais complicada orientação, mas o final já está ali à vista e com tranquilidade e ponderação será sempre (mais ou menos) fácil encontrar forma de seguir caminho. 

No final desta secção meio labiríntica, será necessário transpor um pequeno muro e seguir caminho junto ao paredão da represa. Esta primeira parte do paredão funciona como descarga de superfície, mas em muito raras situações se encontrará em função de descarga, pelo que poderão seguir ao longo do paredão sem complicações. No fim desta zona de descarga existe um outro muro que deverá ser contornado.

A partir daqui, estamos de regresso ao chão firme e o nosso caminho será exactamente ao longo do paredão. É subir os degraus, percorrer todo o passadiço ao longo do paredão que represa as águas da Lagoa Comprida e, depois de descer os degraus no final, estaremos de regresso ao parque de estacionamento onde havíamos começado a nossa caminhada!

Lagoa Comprida - Serra da Estrela
Pelo passadiço ao longo do paredão da Lagoa Comprida

Dicas úteis

Como chegar: para chegar à Lagoa Comprida não existem transportes colectivos regulares. Se quisermos mesmo evitar levar o carro, é possível chegar a Seia na Rede Expresso e seguir até ao Sabugueiro no autocarro que faz o transporte regular entre Seia e a aldeia mais alta da Serra da Estrela. Desde o Sabugueiro até à Lagoa Comprida podemos apanhar um táxi (não existem táxis na aldeia do Sabugueiro, apenas em Seia), tentar uma boleia ou fazermo-nos ao caminho a pé (que nem é assim tão longe!).

Onde dormir: não faltam opções de alojamento o Sabugueiro, que é uma aldeia bastante turística, mas obviamente que a minha recomendação vai para a Sambuc’asa, a Casa de Campo (Turismo em Espaço Rural) do meu anfitrião Nuno Meireles.

Onde comer: no Sabugueiro não faltam opções de restaurantes ou locais onde comer uma boa sandes de Queijo da Serra. Vão à descoberta e depois enviem-me o vosso feedback!

Previsões meteorológicas locais: para além das previsões oficiais do IPMA, existem vários projectos locais de meteorologistas amadores, mas que têm um conhecimento do território que lhes permite ser muitas vezes mais assertivos. Destaco as previsões do Vitor Baia e o projecto MeteoEstrela.

Água: dependendo da época do ano, a minha recomendação será sempre um mínimo de 1 a 1,5L. Ao longo da rota existirá sempre disponibilidade de água, quer em pequenos regatos, quer nas lagoas ou represas, no entanto essa água não deverá ser bebida directamente sem tratamento. Se necessitarem repor a água no vosso cantil usem sempre um filtro adequado ou pastilhas desinfectantes.

Rede de telecomunicações: durante uma parte significativa da rota não existe rede de telemóvel, pelo que em caso de emergência deverão caminhar no sentido do estacionamento da Lagoa Comprida e procurar algum ponto mais elevado onde seja possível efectuar o contacto ao 112.

Contacto de emergência: para além dos normais serviços de emergência, na Serra da Estrela existe uma equipa especializada em situações de busca e resgate pertencente à GNR UEPS – Unidade de Emergência de Proteção e Socorro. O contacto poderá passar pelo 112 ou pelo número disponibilizado no site da GNR: 275 320 660 (Posto de Busca de Resgate em Montanha da Serra da Estrela – Covilhã).

Outros sites com informações do território:

Visit Seia

Aldeias de Montanha

Estrela Geopark

Sambu'casa - Turismo em Espaço Rural no Sabugueiro
Sambuc'asa - Turismo em Espaço Rural no Sabugueiro

Vestuário e equipamento recomendado

Apesar da altitude modesta da Serra da Estrela, caminhar na montanha envolve sempre bastantes riscos para quem vem desprevenido. Usem sempre vestuário adequado à época do ano e às previsões meteorológicas e, mesmo no Verão, nunca deixem o casaco impermeável (ou pelo menos corta vento) em casa.

No Inverno optem sempre por usar umas boas botas de caminhada impermeáveis. No Verão, o uso de botas continua a ser recomendado, principalmente quando carregamos uma mochila mais pesada. No Inverno, se houver neve, é recomendado o uso de polainas para impedir a entrada de neve para as botas.

O uso de bastões de caminhada é também bastante prático e recomendado. Nas zonas de trepadas mais técnicas os bastões irão atrapalhar um bocado, mas facilmente se “encolhem” e se guardam na mochila.

O vestuário deve ser leve e confortável. O ideal é usar roupa por camadas, que se podem vestir ou despir, e evitar casacos ou camisolas volumosas e pesadas. Para saberes mais sobre o sistema de vestuário em 3 camadas, lê aqui o artigo que escrevi para o site da Decathlon.

Evita roupas de algodão (calças de ganga, por exemplo), pois absorvem demasiada humidade e demoram a secar. O ideal será usar roupa em fibras sintéticas ou em lã de merino.

Para transportar connosco a roupa extra, comida, água e todo o equipamento que possamos precisar, o ideal é usar uma mochila com bom suporte e adequada para caminhar na montanha. No Verão, uma mochila com 20L de capacidade poderá ser suficiente, mas no Inverno poderá já ser recomendada uma mochila com cerca de 30L.

Levar connosco um mapa detalhado da região (como os mapas da Adventure Maps) é sempre boa ideia. No mapa temos uma melhor percepção do território à nossa volta e, caso o GPS falhe estamos sempre salvaguadados.

Se usarem o GPS no vosso telemóvel para orientação, é fundamental levar um powerbank com capacidade adequada. Usar o telemóvel em modo GPS consome bastante energia e não será a melhor ideia ficar sem GPS no meio da montanha (e sem telefone para ligar a pedir ajuda). Quanto maior a situação de risco (terreno que não conhecemos, condições invernais, etc) maior a importância de usar aparelhos separados para orientação e comunicação.

Mesmo em caminhadas que se preveem curtas e sem aparente dificuldade, quando estamos na montanha é sempre recomendado levar connosco uma laterna ou frontal. É frequente que as actividades na montanha se demorem mais do que o previsto e não faz sentido correr riscos desnecessários.

E claro, levem um saco para trazer de regresso o vosso lixo e mais algum que eventualmente encontrem pelo caminho. Infelizmente nem toda a gente que visita a Serra se sabe comportar na natureza, mas nós podemos fazer a diferença! #leavenotrace

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