Guia Bikepacking

Guia Bikepacking | viajar em bicicleta

(quase) tudo o que precisas saber para planear a tua próxima viagem de bicicleta em autonomia

Aqui há um tempo atrás, pediram-me para escrever uma espécie de mini Guia de Bikepacking para um artigo no site da Decathlon. O problema é que havia tanto para dizer quer nem sabia por onde começar e, agora que quis aqui aprofundar o assunto e criar um verdadeiro Guia de Bikepacking, voltei a encalhar no mesmo.

Mas, no fundo, no fundo, long story short, a melhor bicicleta para começar a viajar é essencialmente a que já tens e, para transportar a bagagem, o melhor é não ir atrás da última moda do mercado ou entrar em purismos desnecessários. Adapta as primeiras viagens ao teu equipamento e, depois com o tempo e a experiência, cada um irá perceber qual o seu caminho.

Com o boom do bikepacking a que assistimos nos últimos anos, mais ou menos em paralelo com o crescimento do gravel, surgiu uma clara associação entre as bicicletas gravel e o bikepacking. No entanto, apesar das bicicletas gravel serem (na minha opinião) a solução mais versátil para o dia-a-dia e para viajar, muitas vezes uma MTB pura poderá ser a melhor opção para viajar. 

Mas antes do bikepacking “ter sido inventado”, claro que já se viajava de bicicleta. Tinha era outro nome: Touring. A inovação do bikepacking foi essencialmente o uso de sacos flexíveis fixos à bicicleta, permitindo uma maior manobrabilidade fora de estrada, mas com muito menos capacidade de carga que os alforges clássicos, o que por sua vez impulsionou toda uma filosofia de minimalismo e aventura.

E obviamente que as marcas tudo fizeram para capitalizar essa tendência de mercado. Em menos de nada, surgiram no mercado dezenas de fabricantes de sacos específicos para bikepacking, racks e alforges minimalistas para usar fora de estrada, bicicletas bikepacking ready (como por exemplo a minha Riverside Touring 920) e todo o tipo de acessórios, uns para dar resposta às necessidades sentidas pelos praticantes, mas muitos outros para tentar criar essa necessidade.

Outra coisa a reter, é que “performance” normalmente não combina com conforto e/ou fiabilidade. Quanto mais leve ou complexo é o equipamento, mais sujeito estará a falhas, mais manutenção irá exigir ou menos conforto irá oferecer. E esta regra aplica-se a quase tudo: às bicicletas, aos componentes, ao nosso vestuário ou à comida que levamos connosco quando vamos pedalar.

Em Portugal, o bikepacking é cada vez mais uma realidade estabelecida. Apesar de continuar a ser uma actividade de nicho já somos muitos a sonhar com a próxima aventura. Esta meia-dúzia de bikepackers nacionais vai-se encontrando principalmente online (por exemplo no grupo de Facebook Portugal Bikepacking) e até, finalmente, já ocorreu no passado Setembro 2022 o primeiro grande evento 100% nacional de ultraciclismo sem suporte em gravel: o Gravel Birds, para o qual tive o enorme orgulho de desenhar os 750km de rota pelo meu Alentejo.

Bikepacking é aventura e liberdade, mas é também respeito pelo território, pela natureza e pelas comunidades locais. Sejam sempre bons embaixadores da nossa comunidade e da humanidade, mesmo quando ninguém está a ver. #LeaveNoTrace

01. Bicicleta

Tal como disse acima, qualquer bicicleta poderá servir para viajar, mas isso não quer dizer que “qualquer bicicleta” sirva para “qualquer viagem”. Uma MTB de suspensão total com pneus de 3″ até poderá servir para uma viagem por estrada, mas certamente não será a opção mais eficiente. Pelo contrário, uma bicicleta de estrada, definitivamente não terá capacidade para viajar por singletracks de montanha. As gravel, por serem um bom compromisso para viajar por estrada ou fora dela, são para muitos a escolha óbvia. Mas MTBs (com 26″, 27.5″ ou 29″), fatbikes, semi-fat, hardtails, rígidas, suspensão total, híbridas step-through ou single speed, venham elas. É tudo uma questão de gosto, da bike que está mais à mão ou do tipo de terreno. Até as e-bikes são cada vez mais uma excelente opção para viajar.

Se, no entanto, estiveres à procura de uma nova bicicleta e o bikepacking é uma das tuas prioridades, já existem no mercado umas quantas opções específicas para viajar. Entre as principais características, destacam-se a versatilidade, fiabilidade e conforto para passar longas horas a pedalar, mas existem alguns detalhes que podem fazer toda a diferença. Por exemplo, a minha Riverside Touring 920 vem equipada com dezenas de furações para fixar no quadro todo o tipo de racks e sacos de bikepacking, guiador com drops bastante abertos para maior conforto e mais espaço de carga na frente, dínamo no cubo da roda da frente, porta usb para carregar dispositivos on the go e espaço suficiente para montar pneus até 2.4″.

Independentemente do tipo de bicicleta, quando o objectivo é viajar sem pressas, será preferível evitar bicicletas ultraleves, com geometria demasiado virada para a competição e com componentes mais susceptíveis a falhar no local mais remoto. Mas obviamente, que se o desafio for disputar os primeiros lugares nalgum evento de ultraciclismo, então que venha de lá essa fibra de carbono.

Em termos de transmissão, dá jeito ter uma elevada amplitude de relação de andamentos, mas o mais importante é dispor de um rácio de pedalada suficientemente “leve” para conseguir subir elevadas pendentes com todo o peso extra da bagagem. A discussão entre a simplicidade do monoprato ou o poder trepador da pedaleira da avozinha nunca levará a um consenso, mas ambas as soluções têm os seus méritos. E numa alternativa “bem mais alternativa” temos sempre os sistemas fechados da Pinion ou da Rohloff, que praticamente dispensam manutenção e duram uma vida, em particular se em vez de corrente usarem correia.

O aço é um clássico nas bicicletas de viagem e o titânio é normalmente escolha mais exclusiva. Mas se quiseres algo mesmo mesmo gourmet, então fala com um bom alfaiate como o Pedro Jerónimo e manda fazer um quadro totalmente à tua medida. Mais exclusivo é impossível.

Guia Bikepacking - Bolsas bikepacking Riverside
Bolsas bikepacking Riverside na minha Touring 920

02. Bagagem

Nestas coisas de viajar em autonomia, seja a pé ou de bicicleta, ouvi alguém dizer que “na nossa bagagem carregamos os nossos medos” e há muita verdade nisso. Quanto mais livres e confiantes, menos peso carregamos. Eu do meu lado, por muito que tente cortar na tralha, ando sempre com a casa atrás… 

E, outro princípio muito acertado, é que quanto mais espaço temos para levar carga mais tralha vamos levar connosco. Para contrariar esta tendência, o melhor é não pegar logo à partida em todo o kit de sacos de bikepacking ou nos maiores alforges que há em casa e, apenas depois de planeada e revista (várias vezes) a checklist do equipamento que vamos levar connosco, é que logo se vê se é mesmo necessário meter aquele duffle bag de 80L no rack traseiro.

Um dos maiores erros que (ainda) se vê por aí é viajar de bicicleta com mochila às costas e, obviamente, não estou a falar do Camelbak (que até dá bastante jeito). O peso deverá ser colocado na bicicleta e não no ciclista. Na Nacional 2 e no Caminho de Santiago, percursos bastante percorridos por ciclistas sem experiência em viajar de bicicleta, é frequente ver-se este e outros erros ditados pela inexperiência: excesso de peso desnecessário, bagagem mal distribuída na bicicleta, racks perigosamente montados em bicicletas de carbono, racks de fixação única no tubo de selim com peso a mais, etc. Não faltam recursos online para aprendermos a evitar estes erros antes de nos metermos ao caminho e espero que este guia venha a ajudar a esclarecer algumas dúvidas.

Apesar do uso de alforges quase ter desaparecido entre os bikepackers, eles continuam a ter os seus méritos. Pelas dimensões mais generosas e estabilidade estrutural dos alforges, são muitas vezes a melhor opção para transportar alguns equipamentos. Além disso, existem alforges de dimensões bem mais reduzidas que os clássicos (que rondam os 25L cada), como por exemplo os Nano Panniers da Revelate Designs ou simplesmente usando no rack traseiro um par de alforges frontais que são de menor dimensão, tal como os Riverside Touring 14L.

Nos últimos anos surgiram no mercado dezenas de marcas de sacos específicos para bikepacking e a sua evolução técnica tem sido também bastante significativa. A Apidura foi umas das marcas pioneiras no bikepacking e continua a ser uma das grandes referências. Também gosto particularmente das soluções da Alpkit e da Revelate Designs, mas também temos opção no mercado nacional com os Arca Bags, feitos à mão e facilmente costumizáveis para as dimensões exactas da tua bike. Eu estou actualmente a usar a nova gama de sacos da Riverside que me foi oferecida pela Decathlon no âmbito da nossa parceria, e até agora estou bastante satisfeito com a qualidade geral. Mas, independentemente da marca que optarem por comprar, pesquisem por sacos com boa impermeabilidade, robustez e estabilidade em andamento.

Em relação aos sacos de bikepacking, apesar de existirem diferenças significativas de marca para marca, são todos bastante semelhantes na distribuição pela bicicleta: sacos de guiador (com ou sem arnês), sacos de forqueta (com ou sem suporte rígido), sacos de quadro (tamanho pequeno ou integral), bolsas de tubo superior (com fixação por fitas ou parafusos) e sacos de selim (com ou sem arnês). Existem ainda vários tipos de bolsas complementares para acessórios que se usam em conjunto com os outros sacos ou se fixam directamente à bicicleta. Opções não faltam e (obviamente) que não é preciso usar sempre (ou sequer ter) todo o conjunto.

Os suportes/sacos de forqueta são uma das minhas soluções preferidas para maximizar a capacidade de carga. Não atrapalham em andamento, permitem boa visibilidade para a estrada, mantêm o centro de gravidade baixo e permitem levar bem mais carga do que pode parecer. Com alguma criatividade e engenho, podem ser facilmente improvisados com fitas e sacos estanques sem necessitar comprar equipamento específico, mas não facilitem na improvisação para a carga não ficar entalada na roda da frente.

De todos os sacos, os de selim são os que menos gosto de usar. Atrapalham a montar/desmontar da bicicleta, abanam demasiado em andamento (mesmo os sacos mais modernos com fixações semi-rígidas) e acabam por levar pouco equipamento apesar do aparente grande volume. Além disso, nem sempre há espaço para os usar em bicicletas de tamanhos mais pequenos. Ultimamente, como entretanto comecei a usar o espigão de selim com suspensão integrada da Redshift (e que é pouco compatível com o saco de selim), optei por começar a usar um rack traseiro onde posso fixar muito mais volume de carga e resolvi todas as limitações dos sacos de selim.

Os suportes rígidos para carga (tipo grade de bidon, mas para volumes maiores) são bastante práticos para usar nas forquetas ou noutros pontos da bicicleta (por baixo do tubo inferior do quadro ou escoras traseiras). Costumo usar para levar garrafas de água grandes ou tralha extra em sacos estanques.

Apesar dos sacos e bolsas da bicicleta serem impermeáveis, uso sempre sacos estanques para organizar individualmente todo o equipamento, seja electrónica, roupa, comida, ferramentas, etc. Torna a logística bastante mais fácil e estou duplamente prevenido para a chuva, lama ou pó.

As fitas de carga também nunca são demais e levo sempre comigo umas quantas extra. As fitas curtas de velcro funcionam bastante bem, mas para fixar volumes maiores as fitas de ski (tipo Voile Straps) são de longe a melhor opção.

Mas além de todas as soluções para meter a bagagem (e o peso) na bicicleta, há algumas coisas que podem ser úteis ter sempre connosco. Como não gosto de usar cantil e raramente uso jersey com bolsos nas costas, desde os anos 90′ que me fidelizei ao uso do Camelbak e é lá que levo sempre carteira com dinheiro e documentos, assim como outras coisas pessoais. Também há quem use bolsas de cintura, mas nunca experimentei.

Outra dica que no outro dia me deram, foi a de trazer connosco uma Musette (saco de pano para ciclismo) para quando vamos às compras ao supermercado e não termos que trazer as 6 latas de cerveja e os 14 sacos de gomas na mão. Há sacos mais hightech como o da Apidura, mas uma solução bem mais gira (e feita por cá) é usar um saco de pano da Cabeça de Martelo. 

Garmin inReach
Cockpit com GPS, smartphone e Garmin inReach

03. Navegação

Longe vão os tempos das cartas em papel, das bússolas e dos azimutes. Hoje em dia basta sacar um track da net, meter no telemóvel e seguir a linha colorida até ao nosso destino. Quer dizer, desde que o telemóvel não fique sem bateria, ou não vá ao chão e parta o ecrã, ou a porta usb apanhe água e deixe de carregar, ou…

Os telemóveis são uma excelente opção para apoio à navegação, mas têm as suas limitações e, além disso, sempre que o território é mais remoto ou de maior risco, devemos salvaguardar o telemóvel para uso em caso de emergência.

Em termos de navegação ou exploração do território, a usabilidade do telemóvel já supera em muito os aparelhos de GPS dedicados, por isso em voltas curtas ou em território seguro/familiar apenas uso o telemóvel. Em voltas longas que exigem mais autonomia de bateria ou em que não devo confiar apenas num aparelho, uso o GPS dedicado para navegação primária e apenas recorro ao telemóvel sempre que preciso analisar alguma situação em detalhe ou estudar uma alteração de rota.

Para facilitar o uso do telemóvel na bicicleta, uso há já alguns anos o sistema da Quadlock. Não é a solução mais económica e, para tirar todo o partido do sistema, implica ter um dos poucos modelos de telemóvel para que a marca tem capas específicas, mas a usabilidade e fiabilidade dos suportes Quadlock é simplesmente fantástica e (provavelmente) sem qualquer coisa que se lhe equipare no mercado.

Como a bateria do telemóvel com o ecrã ligado e em navegação não dura para sempre, levo sempre um powerbank no top tube bag e vou mantendo a bateria a topo. Tenho vários powerbanks de capacidades diferentes e, conforme a duração prevista da actividade, levo um ou outro (ou vários). Por segurança levo sempre carga a mais do que estimo precisar.

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Depois de muitos anos a usar GPS para actividades genéricas outdoor (Garmin eTrex, Oregon, GPSMap), comecei há pouco a usar um Garmin Edge 830 específico para ciclismo, mas sinceramente fiquei bastante desiludido com as suas capacidades de navegação. Até pode ser uma excelente ferramenta para treino desportivo, mas não é esse o meu interesse e por isso mais tarde ou mais cedo terei que encontrar outra solução.

Regra geral, faço previamente um bom planeamento das minhas actividades outdoor desde casa: defino a rota pretendida, assinalo pontos de interesse e de apoio, estudo alternativas de percurso em zonas que tenha dúvidas e tenho sempre um plano B. Para esse planeamento, uso vários recursos (PRs e GRs existentes, Centros Cyclin’Portugal, bibliografia, cartografia, imagens de satélite, apps, sites, bases de dados, foruns, amigos, etc) e, depois de juntar tudo no caldeirão, faço a minha magia e saco a rota perfeita. Apesar das muitas limitações, gosto bastante de usar o Google Earth, pois para mim é a melhor ferramenta para ter o feeling sobre o território. Por muito capazes que sejam os verdadeiros SIGs (ArcGIS, QGIS), são muito pouco “orgânicos” na forma de trabalhar a informação.

Existem algumas apps/sites que prometem fazer o planeamento da rota, a navegação no terreno e gravar o log da actividade, mas da minha experiência não é boa ideia confiar cegamente na papinha feita que nos dão. Para diferentes fins, uso regularmente o Wikiloc, o Strava, o Komoot, o Ride With GPS e o AllTrails, pois cada um tem pontos fortes e fracos, mas não vou aqui entrar em detalhes, pois isso era assunto para uma Master Class.

O Wikiloc até já foi uma boa base de dados, mas desde há muito que se tornou num repositório de lixo georeferenciado. O Komoot tem bastante potencial para traçar opções de caminho on the go, mas pelo menos em Portugal a base de dados é pouco robusta e dá quase sempre disparate. O Strava tem uma óptima ferramenta para planear rotas a partir de casa, mas é preciso “saber ler por entre as linhas” para ter bons resultados. E o Ride With GPS faz uma boa análise dos tracks produzidos, mas na versão gratuita (nesta não sou premium) não tem ferramentas de edição.

As rotas desenhadas por mim e partilhadas no website Portugal Outdoor podem ser encontradas na plataforma AllTrails. O registo é gratuito e existe uma aplicação própria que permite fazer navegação e registar a rota feita por cada um.

No entanto, no terreno prefiro ter todo o controlo da informação que preparei em casa e por isso raramente uso estas apps para navegação. Em vez disso, uso a bem mais básica mas tremendamente mais eficaz app GPX Viewer. Por ser um simples visualizador (abre múltiplos formatos) e permitir mapas offline (versão paga, mas baratíssima), permite-me ler o terreno sem o ruído de funcionalidades inúteis e sem estar constantemente a perguntar “se eu não quero mesmo ir ali pelo outro caminho ali ao lado porque a base de dados da app não conhece o caminho por onde eu quero ir”.

Supernova E3 Pro 2
Supernova E3 Pro 2

04. Energia

Com honrosas excepções para alguns viajantes mais old school, quase todos nós dependemos cada vez mais de gadgets sorvedores de energia quando viajamos de bicicleta: smartphone, GPS, GoPro, drone, luzes da bicicleta, lanterna frontal, torradeiras e máquina de café expresso.

Dependendo do destino e da duração da viagem, é preciso encontrar soluções para manter as baterias a topo, mas cá por Portugal, mesmo no mais recôndito recanto de Trás-os-Montes, há sempre uma tomada eléctrica a algumas horas de distância e por isso raramente faz sentido andar de painel solar atrás. Fazendo uma boa gestão dos consumos, com powerbanks e descidas estratégicas à civilização, é sempre possível ir mantendo a nossa (semi) autonomia energética.

Sempre que viajo em autonomia, trago comigo uma tomada múltipla 220v/USB de carregamento rápido e cabos USB a contar com todos os dispositivos (USB mini, micro ou USB-C). Enquanto como uma sandes de couratos e troco dois dedos de conversa com a Dona Amélia do café, consigo dar pelo menos um cheirinho de carga em todos os dispositivos para aguentar até ao tasco seguinte.

Em relação aos powerbanks, um “detalhe” bastante importante para fazer as contas às nossas necessidades energéticas é que existem sempre perdas de energia nas transferências de carga. Essa eficiência é variável e depende um pouco da qualidade dos equipamentos, mas para simplificar podemos fazer as contas a um rendimento aproximado de 70%, ou seja, um powerbank de 10000 mAh apenas dispõe de cerca de 7000 mAh úteis e, se por exemplo quisermos carregar um smartphone cuja bateria tem 3500 mAh de capacidade, teremos teoricamente energia para apenas 2 cargas completas. A qualidade dos powerbanks que existem no mercado é bastante variável, quer em termos de real capacidade de armazenamento, quer em velocidade de carga ou recarga, mas depois de várias experiências menos positivas com marcas duvidosas, converti-me às soluções da Anker e estou bastante satisfeito.

Durante o inverno, com temperaturas próximas ou abaixo de zero, a autonomia das baterias reduz-se drasticamente e o ideal é proteger as baterias e dispositivos do frio extremo. Por exemplo, é conveniente guardar o telemóvel num bolso interior do casaco e antes (e durante) o uso do powerbank também será conveniente aquecê-lo junto ao corpo para melhorar o rendimento. Em pernoitas invernais (em tenda ou bivaque) guardo todas as baterias e electrónica numa bolsa e meto aos pés dentro do saco cama. 

Ainda em relação aos telemóveis, uma dica importante, é que sempre que estamos em zonas mais remotas e sem rede, o consumo de energia é bastante superior, pelo que o ideal será mantê-los desligados ou em modo de voo.

A minha Riverside Touring 920 já vem equipada de origem com dínamo no cubo da roda e porta USB, o que me permite recarregar as baterias em andamento, mas na prática a velocidade de carga é bastante baixa e os tempos de carga são bem mais demorados que numa tomada 220v. Além disso, a instabilidade da carga produzida no dínamo (por causa das variações de velocidade) faz com que não seja recomendado carregar directamente o smartphone (ou outros dispositivos mais sensíveis) sem passar a energia por um powerbank. Existem alguns (raros) powerbanks que permitem a função de buffer, ou seja, receber e dar carga em simultâneo, mas com os powerbanks normais apenas dá para acumular a energia do dínamo e usar mais tarde. Mas a grande vantagem do dínamo é que podemos alimentar directamente as luzes da bicicleta, gastando apenas meia dúzia dos watts produzidos pelas nossas pernas. A luzes que uso são as Supernova alimentadas por dínamo: E3 PRO 2 à frente e E3 Tail Light 2 atrás. Para reforçar a visibilidade durante o dia (ao andar em estrada) uso também a luz traseira Bontrager Flare R City.

E acerca de e-bikepacking? Apesar das obvias limitações para viajar de e-bike em total autonomia em zonas remotas, quando o território é um pouco mais civilizado já vai dando para fazer algumas coisas engraçadas. Os motores são cada vez mais eficientes e as baterias têm cada vez mais capacidade e maior densidade energética, para além de que cada vez mais modelos permitem usar baterias extra para extensão da autonomia. Até já existem modelos específicos para e-bikepacking, como por exemplo a nova Specialized Turbo Tero X. Mas o mais importante será sempre um bom planeamento da viagem e uma boa gestão da energia. Nas pausas para café ou refeições, ao pôr a bateria à carga, facilmente conseguimos em pouco tempo aumentar muitos kms de autonomia e, com uma ou duas pausas para carregamento por dia, podemos continuar a pedalar com assistência durante dias a fio. O custo da energia de uma carga completa de bateria é quase residual (cerca de 7 cêntimos por 500 Wh) e com um bocadinho de simpatia ninguém nos negará um pouquinho de electricidade (dica: baterias removíveis ou trazer connosco um extensão/ficha tripla pode ajudar a descomplicar o processo).

Guia Bikepacking - Kit básico de reparação
Kit básico de reparação

05. Reparação e Manutenção

Numa viagem a pedalar em autonomia é fundamental estarmos preparados para (pelo menos) resolver as pequenas avarias que surjam. Os problemas irão com certeza aparecer e, de acordo com o Sr. Murphy, será sempre nos piores lugares e nas piores alturas.

Os pneus tubeless são uma das melhores invenções de sempre no mundo das bicicletas, mas mesmo assim não são à prova de falhas. O ideal será renovar o líquido selante antes de qualquer viagem mais longa e levar algum líquido extra para repor em caso de necessidade. Os furos pequenos resolvem-se sozinhos quase sem darmos por isso, mas às vezes pode ser preciso dar uma pequena ajuda (rodar a roda para o furo ficar em baixo e/ou tapar o furo com o dedo ajuda o selante a fazer a sua magia). Mas quando o furo é maior pode ser necessário enfiar uma “tirinha de bacon” no buraco ou tomar medidas mais drásticas: meter um remendo interno no pneu, coser um rasgão com agulha e linha, aplicar super cola no exterior do furo ou, quando tudo falha, lá ter que usar uma câmara de ar. E, obviamente, convém também trazer uns quantos remendos autocolantes para o caso (mais que provável) de furar depois a câmara de ar.

O essencial dos essenciais no kit de reparação é a bomba, a multitool e óleo/cera para voltar a lubrificar a corrente. Tudo o resto é um bom complemento. Em relação à escolha da bomba, recomendo ter uma que efectivamente funcione quando é preciso (aquelas micro-bombas que cabem no bolso do jersey levam horas para atingir a pressão certa), como por exemplo esta bomba de viagem da Decathlon que eu uso e recomendo. A multi-tool deverá ser compatível com as necessidades da vossa bicicleta (chaves allen, torx nas medidas necessárias), sem esquecer a chave philips/fendas, a chave de raios e o descravador de corrente. Outras ferramentas úteis podem ser um pequeno alicate multiusos, um par de “desmontas” para sacar pneus teimosos ou um alicate próprio para abrir elos rápidos da corrente

Além das ferramentas, trago sempre comigo algumas coisas úteis para resolver os percalços no caminho. Na bomba da bicicleta levo sempre um bom pedaço de fita americana enrolado e que por várias vezes já me foi fundamental para resolver situações chatas (reparar tenda e casaco impermeável rasgados, substituir fita de aro estragada que furava consecutivamente câmaras de ar, reparar suporte de gps partido…). Meia dúzia de braçadeiras plásticas. Elos rápidos de corrente. Uma ou duas fitas de carga extra. Dropout extra. Pedaço de trapo para limpar a corrente. Adaptador de válvula Presta para Schrader. Válvula tubeless e líquido selante extra.

Pode parecer muita tralha, mas pode ser a diferença entre um incidente menor ou uma viagem interrompida. E já agora, para além de termos tudo isto connosco, mais importante ainda é saber usar as ferramentas para resolver os problemas!

Nordest Albarda Ti com suspensão Lauf
Nordest Albarda Ti com suspensão Lauf

06. Conforto

Pedalar durante horas a fio durante dias, semanas ou meses implica alguns cuidados especiais para garantir o nosso conforto. Com o tempo e a experiência, cada um irá perceber melhor as suas necessidades, mas aqui ficam algumas dicas.

Suspensão ou forqueta rígida? Viajantes de longo curso e gravel bikepackers optam frequentemente por não usar suspensão. Os motivos prendem-se normalmente com a fiabilidade e necessidade de manutenção regular das suspensões, mas para muitos é também uma questão de “purismo”. A suspensão “filtra” demasiado o terreno e impede-nos uma conexão “mais pura” com o chão que pisamos: pode parecer meio absurdo, mas até faz bastante sentido. Mas é apenas uma opção e não uma regra rígida, sendo que cada vez mais gravelistas e bikepackers vão começando a usar suspensão nas bicicletas. Já existem no mercado várias opções “gravel specific”, de curso reduzido e até soluções mais alternativas como as suspensões da Lauf que necessitam de zero manutenção.

Uma alternativa ao uso de suspensão (na forqueta, isto é), mas que nos permite ter um conforto acrescido, é o uso de sistemas de amortecimento no espigão de selim ou no avanço da bicicleta. Eu comecei há uns meses a usar o ShockStop Suspension Seatpost da Redshift e parece que vou sentado numa nuvem. Melhor upgrade de conforto que podia ter feito! A Redshift também tem um sistema de amortecimento integrado no avanço que permite reduzir a vibração no guiador e que me parece interessante, mas que ainda não testei.

Já conheces o sistema ShockStop da Redshift?

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Mas algumas soluções simples e económicas são muitas vezes tão ou mais eficientes para aumentar o nosso conforto. Por exemplo, basta baixar um pouco a pressão dos pneus para conseguirmos aumentar de forma dramática o conforto na bicicleta. Os sapatos de ciclismo, com encaixes e solas rígidas para maior eficiência, podem ser óptimos a transferir toda a potência para os pedais, mas nada bate o conforto de usar umas simples sapatilhas e pedais de plataforma. Em guiadores dropbar há quem não dispense as aerobars, mas é coisa que nunca usei para poder dar o meu feedback. Os bar-ends (“cornos”), que foram tão usados nos anos 90′, podem dar um excepcional descanso aos braços e às costas para quem usa guiadores rectos. Punhos de silicone como os ESI Grips praticamente dispensam o uso de luvas e absorvem todas aquelas microvibrações da gravilha.

Mas mesmo com todos esses truques e upgrades, o nosso rabo vai sempre sofrer bastante com o passar dos dias e há que estar preparado para essas horas difíceis. Não poupem (demasiado) nuns bons calções de ciclismo e usem um bom creme para amaciar a carneira, mas depois, ao fim do dia, convém ter à mão algum creme reparador para ajudar à recuperação das assaduras e macerações da pele. Já me deram muitos conselhos e segui vários, mas o Halibut e o Cicalfate foram os que me deram melhores resultados.

Overnight a solo na Serra da Estrela
Viajar a solo de bicicleta pode ter efeitos adversos

07. Segurança

Em Portugal não existem territórios verdadeiramente remotos, as montanhas são modestas e o clima é sempre mais ou menos ameno, mas existem sempre riscos associados às actividades outdoor e é sempre mais sensato ter as devidas precauções para evitar situações menos agradáveis. Bom planeamento, respeito pelo meio onde estamos e ter noção dos nossos limites nunca fez mal a ninguém.

Um dos cuidados mais básicos a ter é conhecer com alguma antecipação as previsões meteorológicasMesmo em pleno Verão podemos ser surpreendidos por alguma tempestade ou trovoada e (acreditem!) as coisas podem ficar mesmo assustadoras se não tomarmos medidas para minimizar os riscos.

Um bom planeamento não é só conhecer a nossa rota, mas também ter um plano B (ou C) para qualquer eventualidade. Estudar o território para onde vamos e os seus principais riscos ou condicionantes: se há água disponível, se há localidades onde repor mantimentos, se os trilhos estão bem mantidos e transitáveis, qual o tempo estimado para chegar de A a B, qual o feedback de outros visitantes, se existem outros riscos objectivos para que devamos estar atentos.

Praticar actividades outdoor a solo pode ser uma experiência bastante emersiva e enriquecedora, mas os riscos de estar sozinho são sempre bastante superiores. Se fores sozinho, duplica os teus cuidados de planeamento e, de preferência, informa alguém previamente do que vais fazer ou de alguma forma vai partilhando a tua localização. Quando há rede de telemóvel é fácil partilhar a nossa localização através de apps (Strava, Garmin, Google Maps, Whatsapp, etc), mas para zonas mais remotas (mesmo em Portugal) existem soluções de tracking e comunicação por satélite (Spot, Garmin inReach).

Dependendo do tipo e do risco da actividade, assim deverá ser o nosso kit de primeiros socorros. Eu trago sempre comigo um mini kit com tudo o que considero essencial para resolver situações mais simples: pensos rápidos variados, rolo de gaze, compressas, luvas de latex, saquetas de álcool gel, pinça, pastilhas desinfectantes para água, meia dúzia de comprimidos de ibuprofeno e manta térmica. Não dá para resolver uma fractura exposta, mas todos os itens que trago já se revelaram bastante úteis (a pinça é óptima para sacar espinhos das mãos ou dos pneus antes de meter uma nova câmara de ar). Além destes essenciais, cada um deverá juntar outras coisas que julgue necessárias, tal como medicação pessoal.

Um ponto importante para nossa segurança é assumir sempre que, por algum motivo, o percurso pode ser mais difícil ou demorar mais tempo do que previsto, ou que as condições meteorológicas sofram algum tipo de agravamento. Para fazer frente a estes imprevistos nada como fazer as contas por cima à comida e água que levamos, a ter alguma roupa extra, a ter SEMPRE um casaco impermeável (mesmo no verão) e a contar com alguma energia extra no powerbank para algum contacto de emergência. E obviamente que devemos sempre usar capacete, luzes à frente e atrás sempre que andarmos na estrada com condições de visibilidade reduzidas, colete reflector ou roupa de elevada visibilidade, etc, etc.

Outro aspecto a considerar é a segurança da nossa bicicleta quando estamos a dormir ou a temos que deixar à porta do supermercado, do café ou do WC público. Normalmente não faz sentido andar com um U-lock de 4kg atrás, mas pelo menos alguma coisa que impeça o gatuno ocasional de nos levar a nossa mais que tudo. Eu uso um cabo de aço revestido com 3mm e 3 metros de comprimento, que em conjunto com um pequeno cadeado de combinação me dá a tranquilidade suficiente para ir às compras ou dormir profundamente no banco de jardim. O comprimento do cabo permite fixar várias bicicletas, passar à volta de um poste ou árvore, ou até prender uma das pontas do cabo à nossa tenda (ou à almofada como faz um amigo meu!).

Em termos fauna selvagem que nos possa colocar em risco, Portugal é também um território bastante pacífico. Existem por cá lobos, víboras, escorpiões, tarântulas e até viúvas-negras, mas o risco de ataque (ou sequer de encontro) é tão baixo que na prática quase pode ser negligenciado (ver lista de espécies potencialmente perigosas em Portugal) . Maior preocupação devemos ter com apanhar alguma carraça ou ser mordido pelo cão de um pastor. As actividades cinegéticas podem também ser um factor de risco, pelo que deveremos ter precaução redobrada em zonas de caça durante o período cinegético, usando roupas bem visíveis e anunciando a nossa presença para não sermos confundidos com alguma perdiz.

Bikepacking Overnight a solo na Comporta
Com todas as camadas vestidas para bivacar na praia

08. Vestuário

Nunca fui grande adepto das roupas “clássicas” de ciclismo. A pedalar no dia-a-dia raramente uso jerseys e apenas uso calções de lycra por baixo dos calções “normais” e, para viajar, acho que ainda faz mais sentido optar pelo conforto e look casual das roupas outdoor mais genéricas.

Tal como para qualquer outra actividade outdoor, devemos optar por roupas em tecido sintético ou em lã de merino (nunca em algodão) por terem melhor performance em todos os climas: mais leves, absorvem menos água, secam mais rápido, evacuam melhor a transpiração, mantêm capacidade térmica mesmo molhadas. A lã de merino tem ainda a grande vantagem de cheirar “menos mal” ao fim de vários dias de uso, o que em viagem pode fazer toda a diferença!

De forma geral, o vestuário para viajar em bicicleta segue o princípio genérico das 3 camadas: camada interior, camada de aquecimento e camada impermeável. Com um bom planeamento do vestuário a levar, podemos fazer múltiplas combinações conforme as condições meteorológicas e reduzir a quantidade de roupa a um mínimo essencial.

Para além da roupa “para pedalar”, temos também que contar com o que vestir quando não estamos na bicicleta ou para dormir. Dependendo do tipo ou da duração da viagem, podemos ter que levar mais desta roupa casual ou nem sequer levar nenhuma.

Por uma questão de conforto e segurança, levo sempre comigo (pelo menos) um casaco impermeável. No Verão, se o risco de precipitação for nulo ou muito baixo, levo apenas um corta-vento muito leve e compacto. No Inverno ou em ambiente de montanha já será conveniente não facilitar e levar um bom casaco impermeável. Mesmo quando não chove, o casaco impermeável funciona como camada extra em noites mais frescas ou para pernoitar ao relento.

Para os finais de dia (ou para dormir com conforto extra) levo sempre colete ou casaco de penas/fibras ocas. O enchimento de penas é mais leve e compressível, mas as fibras ocas são melhor opção com tempo húmido. A relação peso/volume/capacidade de aquecimento neste tipo de roupa é imbatível. A fita de pescoço anda também sempre comigo, mesmo durante o Verão.

E o calçado? Clipless ou “normal”, o importante é que sejam confortáveis a pedalar ou a caminhar. Sempre usei na bicicleta sapatos de encaixe, mas ultimamente tenho andado a reconsiderar as vantagens e desvantagens, pois na realidade o ganho de performance é-me bastante indiferente e o conforto de usar sapatos normais em pedais de plataforma está a começar a ganhar pontos. Para usar ao fim do dia, costumo trazer uns crocs, que são bastante práticos e versáteis.

Filtro Katadyn BeFree
Filtro Katadyn BeFree

09. Água

Ao viajar de bicicleta em autonomia, a disponibilidade de água é sempre um dos tópicos que exige mais atenção e planeamento. Por um lado, não devemos correr o risco de ficar sem água no meio de nada e, por outro, queremos sempre evitar carregar desnecessariamente demasiada água.

Sempre preferi usar Camelbak a bidons, mas sempre que preciso transportar mais água (de modo a reduzir o peso nas costas) uso as duas coisas. Entre o depósito da mochila e uns quantos bidons fixos na bicicleta, em condições normais, terei água para pedalar muitos kms, cozinhar o jantar, lavar os dentes e os tachos, e ainda sobrar alguma para continuar a pedalar no dia seguinte até ao próximo local onde possa reabastecer.

Para levar ainda mais água extra, existem depósitos específicos para colocar dentro da bolsa de quadro ou podemos simplesmente levar garrafas de água de 1.5L em suportes do tipo cargo cage.

Em termos de tratamento de água recolhida em linhas de água, lagos ou fontes duvidosas, a forma mais segura de eliminar situações de risco será sempre a fervura durante vários minutos. No entanto, sempre que o risco de contaminação das águas seja reduzido, a forma mais prática e rápida é usar pastilhas desinfectantes ou um sistema de filtração. Depois de vários anos a usar pastilhas desinfectantes, (re)comecei recentemente a usar filtros e não penso voltar atrás. Tenho um Katadyn BeFree e uma garrafa filtrante da Decathlon, que usam exactamente o mesmo sistema de filtragem com fibras ocas e funcionam igualmente bastante bem. No entanto, continuo a trazer sempre comigo umas quantas pastilhas para usar em conjunto em caso de águas mais duvidosas.

Em pernoitas em tenda ou bivaque durante o Inverno, não deixem as garrafas de água (ou sacos da mochilas de hidratação) expostas ao frio, pois poderão congelar e ficam sem água para beber até ela voltar a derreter. Sempre que as temperaturas se prevejam descer próximas ou abaixo de zero, o melhor é enfiar pelo menos uma das garrafas dentro do saco-cama. Durante o dia também poderá acontecer (em particular no tubo do Camelbak), mas apenas em ambientes muito extremos.

Como Cagar en el Monte
Como Cagar en el Monte, da Kathleen Meyer

10. Higiene

Viajar em autonomia implica (normalmente) algumas concessões em termos de higiene. Nem sempre existe água disponível, as baixas temperaturas são pouco convidativas a um banho de água fria ou o cansaço não nos permite o discernimento de cumprir essas rotinas de higiene.

Quando há água disponível, uso detergente biodegradável multiusos. Serve um pouco para tudo, desde lavar as mãos, a cara, o corpo e o cabelo, mas também para lavar a loiça e a roupa. Na natureza, em particular em ambientes de montanha, é bastante importante que não se usem detergentes “normais” pois estes podem causar graves desequilíbrios em ecossistemas mais sensíveis.

Para lavar os dentes, por uma questão de minimalismo, uso escova e pasta de dentes em formato de viagem. Pode parecer que não, mas todas as gramas contam.

À falta de água, uma das soluções mais simples (e que já uso há bastantes anos) é usar toalhitas humedecidas para manter a higiene mais básica. Existem embalagens de viagem de vários tamanhos, práticas de usar e transportar, e servem um pouco para tudo: “lavar” as mãos, limpar o corpo e a cara ao fim do dia ou para uma melhor higiene depois de fazermos o “número dois”. Uso sempre toalhitas biodegradáveis (das que na embalagem diz que podem ser descartáveis na sanita) para “as situações” em que precise mesmo de as descartar na natureza, mas opto sempre que possível por as colocar no saco do lixo. Podem ser biodegradáveis, mas são também bastante “biodesagradáveis”.

E por falar em “número dois”, o tema pode parecer simples mas tem muito que se lhe diga e até existe um bestseller que esmiúça o assunto: “How to Shit in the Woods” ou “Cómo Cagar en el Monte” na versão espanhola. Actualmente é fácil encontrar online muita informação sobre o tema, mas quando este livro surgiu em 1989 veio desbravar um tópico importantíssimo e que era praticamente tabu. Livro obrigatório na biblioteca de qualquer explorador ou amante da natureza.

Sempre que possível, alterno as pernoitas em bivaque ou acampada livre com noites em refúgios ou alojamento. Por muito que goste de dormir sob as estrelas, uma noite de vez em quando com banho e lençóis lavados sabe a hotel de 5 estrelas. Além de restabelecermos o corpo e a alma, é bastante útil para recarregar dispositivos e powerbanks.

Mas, mesmo quando estamos no meio de nada e sem acesso a um banho decente durante dias a fio, ter um par de meias lavadas para trocar é um fantástico bálsamo para a alma. Podemos estar imundos, encharcados e desgrenhados, mas com meias lavadas e prontos para continuar a enfrentar o mundo.

Alimentação outdoor
Noodles Koka com potas em molho de tomate, o jantar dos campeões

11. Alimentação

A alimentação em viagem depende muito do gosto de cada um, mas principalmente da duração da viagem. Em viagens curtas podemos planear e levar de casa (quase) tudo o que vamos precisar, mas em viagens mais longas vamos principalmente depender do que vamos encontrando para nos reabastecer pelo caminho.

Em viagens mais curtas, ou sempre que o território é mais remoto e implica maior grau de autonomia, faço uma estimativa do que preciso para cada dia e divido  e organizo tudo em sacos ziploc. Não dispenso o café pela manhã, nem uma refeição quente ao jantar, por isso levo sempre comigo o kit de cozinha com fogão (a gás ou álcool), mini tacho, taça e spork.

As refeições quentes que faço tendem a ser bastante básicas. Já houve tempo em que fazia coisas mais elaboradas, mas hoje em dia prefiro a simplicidade dos noodles Koka ou couscous com um enlatado de qualquer coisa ou, mais simples ainda, das refeições prontas desidratadas. Não é que esta comida desidratada seja o melhor pitéu do mundo, mas basta juntar água quente e esperar meia dúzia de minutos para ter uma refeição minimamente completa.

Sopas instantâneas e chás são também bastante bem-vindos, principalmente antes de ir dormir, pois ajudam a repor a hidratação perdida durante o dia e dar aquele boost de calor para ir dormir quentinho.

Durante o dia, prefiro ir comendo coisas leves em vez de fazer refeições mais completas: frutos secos, cubos de marmelada, bolachas, tostas, marinheiras, fruta fresca, barras de cereais, ovos cozidos, queijo, enchidos. Com o esforço e o passar dos dias, torna-se cada vez mais difícil termos apetite para comer alguns tipos de alimentos e a variedade de opções pode ajudar a combater essa dificuldade.

Como a performance não é minimamente a minha preocupação, não contabilizo calorias consumidas e nem considero esse critério no planeamento da alimentação. No entanto, à falta desse planeamento energético, acabo por levar (quase) sempre comida a mais.

Existem no mercado várias marcas que prometem “refeições completas” em pó e de preparação instantânea. Há uns anos atrás experimentei uma coisa dessas (não me lembro que marca) e até achei piada, pois pareceu-me cumprir com o prometido: a preparação era bastante simples (juntar o pó à água e agitar), a sensação de fome ficou saciada e senti-me “alimentado” como se tivesse comido comida normal. Comecei recentemente a testar a Huel Powder (apenas ainda provei os sabores de baunilha e chocolate) e não posso dizer que tenha gostado do sabor, mas a solução é tão prática para actividades outdoor em autonomia que vou continuar a tapar o nariz e a emborcar aquela nhaca. Se alguém tiver experiência neste tipo de alimentação (e recomendações de alternativas menos horríveis) que me envie o seu feedback!

Amanhecer nas Arribas do Douro
Amanhecer sobre as Arribas do Douro Internacional

12. Pernoite

Numa viagem de vários dias em bicicleta, obviamente que vamos ter que dormir uma ou mais noites pelo caminho e a “opção zero” será sempre pernoitar num alojamento. Dependendo na viagem, dos nossos objectivos ou do nosso orçamento, esta poderá ser muitas vezes a melhor opção. Mas, mesmo para pernoitar num alojamento, existem alguns cuidados que devemos ter.

Ao escolher um alojamento para pernoitar, convém perceber se existe facilidade em guardar a bicicleta de forma segura, pois nem sempre os alojamentos estão preparados para receber hóspedes em bicicleta ou sequer têm noção das necessidades específicas destes hóspedes. Quando pretendo pernoitar em alojamento faço sempre a reserva via telefone, para poder explicar que vou de bicicleta e que preciso de um lugar (seguro) para a deixar durante a noite, mas mesmo assim muitas vezes existem “mal-entendidos”: ou porque afinal o “sítio seguro” era na rua em frente à recepção “porque ninguém mexe” ou porque a bicicleta está suja de lama e isso é um problema ou por outra coisa qualquer. Ao longo de Grandes Rotas ou destinos mais frequentados por ciclistas, já vão surgindo vários alojamentos bike friendly e até existe a certificação Bikotel que garante uma série de condições mínimas para quem viaja em bicicleta, mas são ainda poucos e por vezes essa certificação é pouco mais que um rótulo.

Mas, por muito interessante que seja a pernoita em alojamento, um dos elementos que mais fortemente contribui para a liberdade de viajar em bicicleta é (sem dúvida) a pernoite livre em tenda, bivaque ou improvisada num banco de jardim. Quando o território é mais remoto e as pernoitas serão “no meio de nada” opto quase sempre por levar tenda, mas em viagens onde exista facilidade de encontrar refúgios ou zonas (semi-abrigadas) prefiro um setup mais minimalista apenas com saco-cama e/ou saco de bivaque.

Quando queremos passar discretos, o melhor é apenas montar a tenda ou bivaque pouco antes (ou até depois) de escurecer, mas será boa ideia começar a procurar um bom poiso com alguma antecedência e ainda com a luz do dia. Numa estratégia contrária, podemos sempre ir até ao tasco local provar o tinto da casa e meter conversa. Normalmente, lá pelo segundo ou terceiro copo de tinto, já alguém nos ofereceu um palheiro onde dormir.

O kit básico de pernoita outdoor é composto por saco-cama e colchonete. Os sacos-cama de penas são mais leves e compressíveis que os de fibras sintéticas (para as mesmas temperaturas de conforto), mas são mais caros e não funcionam tão bem quando molhados. As colchonetes tradicionais em espuma (dobráveis ou enroláveis) são mais leves e resistentes, mas ocupam muito volume e por isso há muitos anos que apenas uso colchonetes insufláveis. Quanto mais leve e compacta for a colchonete insuflável, mais sujeita estará a furar, implicando por isso um cuidado extra no sítio onde montamos a tenda ou em não usar a colchonete directamente no chão ao bivacar. Existem kits de reparação de colchonetes, mas um pedaço de fita americana (a tal que levo sempre enrolada na bomba da bicicleta) resolve o assunto. Para conforto adicional, uso quase sempre uma almofada insuflável (também funciona usando a roupa extra num saco estanque, mas não é a mesma coisa) e lençol (seda ou lã de merino) para proteger o saco cama da sujidade e acrescentar alguns graus de conforto térmico.

Tal como para outras actividades outdoor em autonomia, uma tenda para bikepacking deverá ser leve e compacta, fácil de montar, que de preferência seja auto-portante (que dê para montar em solo duro sem colocação de estacas), adequada às condições meteorológicas previstas (vento, temperatura, humidade, chuva ou neve) e que tenha uma boa capacidade de armazenamento de bagagem no avançado para arrumar equipamento molhado ou sujo. A única especificidade recomendada para bikepacking é que as varetas (quando desmontadas) fiquem relativamente curtas para facilitar o transporte na bicicleta. Além disso, uma tenda de cor discreta pode ser uma boa opção quando queremos passar despercebidos.

A tenda é normalmente a opção “mais segura”, pois garante abrigo em praticamente qualquer circunstância, mas para um setup mais minimalista podemos sempre deixar a tenda em casa e procurar um abrigo existente ou dormir sob as estrelas. No entanto, a contagem das gramas que poupamos ao deixar a tenda em casa não é assim tão linear, pois pernoitar sem tenda (muitas vezes) implica usar um saco-cama para temperaturas mais baixas (ou compensar com um lençol térmico), trazer uma tarp ou saco de bivaque para nos proteger da humidade (ou mesmo da chuva) e dá sempre jeito ter algum tipo de protecção para colocar entre o chão e a colchonete (principalmente quando usamos colchonetes insufláveis).

Quando viajamos pelo interior é (quase sempre) relativamente fácil encontrar abrigo confortável e seguro para pernoitar em bivaque no interior das aldeias. Boa parte das nossas aldeias tem lavadouros públicos (muitas vezes já sem uso), que dispõem de água, um tecto e chão limpo para estender o saco cama. Frequentemente estes lavadouros ficam situados na periferia das localidades, o que nos permite uma presença discreta e menor risco de sermos incomodados durante a noite. Muitas aldeias tem também casas de banho públicas, algumas delas até equipadas com balneário e água quente. Algumas paragens de autocarro também podem ser um bom abrigo, ainda que sejam mais expostas pela natural proximidade às estradas.

Em relação à pernoita livre (depreciativamente chamada de “selvagem”), a legislação portuguesa mete tudo no mesmo saco e diz que é tão ilegal bivacar na montanha como ir viver numa tenda no parque da cidade. Aqui ao nosso lado, basta passar a fronteira para que existam variadíssimas excepções regulamentadas em quase todas as áreas protegidas, desde que se cumpram um conjunto de regras de bom senso: montar tenda ou bivaque ao anoitecer, levantar acampamento ao nascer do dia, ser discreto e não deixar marcas da nossa passagem. Em Portugal até existe bastante tolerância das autoridades (excepto em áreas de maior sensibilidade ecológica ou pressão turística), mas enquanto não se evoluir no enquadramento legal das actividades outdoor, o melhor é meter ênfase na discrição. Se não houver corpo, não há crime.

The Castles Quest - Grande Rota das Aldeias Históricas
GR22 - Grande Rota das Aldeias Históricas

13. Rotas e Destinos

Para quem se está a iniciar nestas coisas, o meu conselho é sempre começar “pequeno”, pois afinal de contas não é necessário atravessar o mundo para viver uma aventura (vejam aqui mais sobre o conceito de microaventura, “inventado” pelo Alastair ). Em actividades mais curtas, mais próximas de casa e de menor compromisso, podemos pôr em prática as nossas ideias e aprendizagens, sem estarmos sujeitos àquelas situações sempre chatas das transladações internacionais.

Um conceito bastante interessante é o dos “overnights” (aka S24O), em que a actividade consiste basicamente em ir dar uma volitinha (maior ou menor, ao gosto das pernas de cada um), dormir fora e no dia seguinte regressar. A logística de passar apenas uma noite fora é relativamente simples, encaixa-se bem em qualquer agenda e, mesmo que por algum motivo a noite não corra pelo melhor, no dia a seguir voltamos a casa.

Em Portugal, apenas recentemente começaram a surgir propostas de rotas especificamente desenhadas para viajar em bicicleta. Até agora, a opção era quase sempre seguir o traçado de alguma Grande Rota, pois apesar de serem sinalizadas e homologadas para uso pedestre, na sua grande maioria até têm bem mais vocação para ser feitas de bicicleta. O surgimento das Grandes Travessias Cyclin’ Portugal (nome que nem faz muito sentido quando as rotas são circulares, mas enfim) veio em parte resolver o “problema”, mas os custos de reconversão são enormes e (a meu ver) totalmente desnecessários, mas isso é assunto para outra missa.

Listo aqui algumas rotas que considero terem particular interesse para bikepacking, apesar de todas elas terem (pelo menos!) alguns aspectos a melhorar: a Grande Rota das Aldeias Históricas (uma das rotas que que há muito se destacou pelo seu potencial para ciclismo de aventura, apesar de apenas recentemente ter sido adaptada ao “formato” de Grande Travessia ciclável), o Caminho Histórico da Rota Vicentina, a Grande Rota do Côa, a Via Algarviana, a Rota da Terra Fria Transmontana (asfalto), a Grande Rota do Douro Internacional e do Douro Vinhateiro (território com enorme potencial, mas a rota é uma trapalhada onde se enterraram 300 mil euros e para a qual nem existe site activo com informação oficial) ou a mais recente Grande Travessia das Montanhas Mágicas.

Um dos projectos de maior interesse em Portugal, principalmente pelo seu pioneirismo, é o Portugal Divide. Ao contrário das Grandes Rotas ou das Grandes Travessias, o Portugal Divide não tem rota definida e são os próprios participantes no desafio que escolhem o seu traçado (por terra ou asfalto) para ligar os 4 extremos de Portugal Continental, o ponto mais elevado e o seu centro geodésico, pontos estes de passagem obrigatória. Para “oficializar” a participação é preciso fazer o registo no site, seguir as regras e o código de ética e, no final, comprovar o cumprimento do desafio pela submissão do log registado pelo GPS. O início é em Cevide (extremo Norte), seguindo para a Penha das Torres (extremo Este), subindo ao Malhão da Torre (ponto mais elevado), seguindo para a Melriça (centro geodésico) e indo picar o ponto ao Cabo da Roca (extremo Oeste) antes de finalizar nas areias do Cabo de Santa Maria (extremo Sul). Não sendo propriamente um desafio competitivo, cada um tentará ligar estes pontos no menor tempo que consiga ou que julgue necessário para saborear a aventura. Sem dúvida que está na minha wishlist!

Recentemente foi criada uma rota de ultra longa distância a atravessar toda a Europa, com cerca de 7500 km quase sempre fora de estrada e a ligar o norte da Noruega ao nosso Cabo de S. Vicente. A rota, que se chama European Divide Trail, é ainda um projecto em curso e ainda com muitas arestas por limar, sendo que no troço português existem algumas passagens condicionadas por portões fechados ou caminhos que deixaram de existir. Ainda assim, é um projecto de grande relevância internacional e que tem trazido a Portugal inúmeros bikepackers que aqui começam ou terminam a rota.

Mas, entre as rotas e destinos para viajar de bicicleta, destaca-se obviamente a Gravel Birds, a rota que desenhei para o evento de ultraciclismo com o mesmo nome, mas que ganhou asas para voar sozinha! 

Com cerca de 750 km de extensão (quase sempre fora de estrada), a Gravel Birds começa e termina em Castro Verde, mas pelo meio percorre uma boa parte do Baixo Alentejo: as extensas peneplanícies do Campo Branco, o remoto e selvagem Vale do Guadiana, a substimada Serra do Caldeirão e a mais turística (mas sempre bela) Costa Alentejana.

Ao desenhar esta rota, procurei transmitir a grandeza do Alentejo e das suas paisagens, contrariar a ideia estereotipada e unidimensional que tantos ainda têm, fazer sentir a melancolia e a solidão que as suas gentes ainda vivem nas aldeias distanciadas e quase despovoadas, fazer experienciar a dureza da vida no Alentejo.

Os caminhos que escolhi não foram ao acaso – contam uma história e muitas outras histórias dentro dela. As dificuldades do percurso também não foram ali colocadas de forma gratuita ou aleatória, são parte desta narrativa que ali escrevi e recriam as agruras do próprio território, tal como as suas gentes as viveram desde tempos imemoriais.

Não se deixem enganar pelo reduzido desnível acumulado e pela aparente leveza do traçado, pois a Gravel Birds não vai hesitar em colocar cada um no seu lugar.

Mas… e os pássaros? Na biodiversidade alentejana é o Lince que quase sempre faz a primeira página, mas são as aves alentejanas as verdadeiras rainhas deste mundo natural e que valeram aos campos de Castro Verde a classificação como Reserva da Biosfera da Unesco.

Para além dos 750 km da rota Gravel Birds, desenhei 3 short loops complementares em formato bite-size e que em breve colocarei online: a L’Abetarda (que percorre as planuras do Alentejo interior, a partir de Castro Verde), a Cegonha Gótica (que explora as duas margens mais selvagens do Guadiana, a partir de Mértola) e a Rapina Vicentina (o sector mais atlântico da Gravel Birds, a partir de Odemira). Estes 3 short loops são coincidentes com o traçado da Gravel Birds (à excepção dos curtos troços de ligação) e permitem conhecer a totalidade do território, um bocadinho de cada vez.

Brevet card do Gravel Birds a ser carimbado no checkpoint
Brevet card do Gravel Birds 2022 a ser carimbado no checkpoint de Vila Nova de Milfontes

14. Eventos

Para além das rotas, que estão lá todo o ano para serem exploradas, também já começaram a ser organizados em Portugal os primeiros grandes eventos de “ultraciclismo sem suporte”. Com ou sem formato competitivo, estes eventos permitem o (re)encontro entre a comunidade de bikepackers, a partilha de experiências, o conforto da rede de segurança prestada pela organização e todo o espírito “competitivo” que a participação num evento organizado nos traz.

Este tipo de eventos de longa distância já tem longa tradição “lá fora”, tendo como grandes referências eventos como o Tour Divide ou a Transcontinental Race. Existem várias modalidades de eventos (competitivo vs não competitivo, estrada vs fora de estrada, percurso pré-definido vs apenas pontos de passagem obrigatória), mas quase todos eles se baseiam num conjunto de princípios comum que define o que é permitido (ou tolerado) dentro do espírito do ultraciclismo sem suporte. Também é prática comum que a posição de cada participante possa ser seguida em tempo real através de um tracker GPS, garantindo o controlo e segurança dos participantes pela organização, mas também abrindo portas para o peculiar mundo do “dot watching“, em que (qual transmissão televisiva) é possível seguir “ao vivo” a partir de casa o desenrolar da prova.

Recentemente, têm surgido novos eventos internacionais que (logo nas primeiras edições) atingiram grande sucesso e mediatismo, confirmando o crescente interesse do ultraciclismo sem suporte: Badlands, Basajaun, Atlas Mountain Race, Silk Road Mountain Race ou Seven Serpents, apenas para listar alguns.

O Gravel Birds, que teve a sua primeira edição em Setembro 2022, foi o primeiro evento de ultradistância sem suporte em gravel a acontecer em PortugalMas antes da estreia na gravilha pelo Gravel Birds, já outros eventos em asfalto estavam a ocorrer por cá, como o Heading Southwest do David Cruz (um dos meus colegas na organização do Gravel Birds) ou o mais internacional BikingMan.

A edição inaugural do Gravel Birds foi um enorme sucesso e conseguiu alcançar um significativo impacte mediático nacional e internacional, abrindo caminho para outros eventos que já se encontram anunciados para se realizar em solo nacional, com destaque para o The Goats, que promete meter as montanhas do Centro de Portugal no mapa do bikepacking internacional, e para o At Last Lost (o mais recente projecto criativo do David Cruz) em que para além das dificuldades da distância e da autonomia, os participantes têm que planear in loco a própria rota até ao próximo checkpoint.

Se esta vertente mais competitiva do bikepacking é a vossa praia, sigam todas as novidades que o David está a preparar através do seu projecto Finisterra ou oiçam o podcast Endoo.cc sobre endurance e aventura em bikepacking.

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Este artigo não é (obviamente) um guia definitivo sobre bikepacking, mas pretende esclarecer as dúvidas mais comuns de quem está a dar os primeiros passos nas ciclo-viagens de aventura. Para quem já anda nisto há muito tempo, se calhar até pode achar que só estou para aqui a escrever disparates, mas estamos todos aqui para aprender uns com os outros, por isso façam-me chegar as vossas dicas que eu tentarei ir mantendo o artigo actualizado com os vossos contributos.