Covão dos Conchos
[ e as Lagoas da Serra da Estrela ]
Covão dos Conchos e mais além
as Lagoas da Serra da Estrela
O Covão dos Conchos, bem perto da Lagoa Comprida, faz parte de um vasto e biodiverso conjunto de lagoas de montanha na Serra da Estrela. Aqui convivem lagoas naturais, charcas temporárias e um importante sistema de represas artificiais, concebidas para aproveitar o enorme potencial hidroelétrico das águas da serra.
Este conjunto forma um ecossistema de grande valor ecológico, onde podemos encontrar espécies únicas de fauna e flora em Portugal.
Apesar da riqueza natural da zona, foi o famoso “funil” de descarga de uma das represas — uma impressionante obra de engenharia — que se tornou viral nas redes sociais, transformando o Covão dos Conchos num dos locais mais visitados da Serra da Estrela.
Mas a Serra da Estrela é muito mais do que o Covão dos Conchos. Aceitando o convite do meu anfitrião no Sabugueiro, o Nuno Meireles, nasceu este guia alternativo: uma proposta para explorares as verdadeiras lagoas naturais da serra, longe das multidões.
Segue este percurso e vais descobrir veredas de montanha, caminhar por trilhos menos batidos e conhecer o encanto escondido da Lagoa Escura, entre outras pérolas da natureza serrana.
Vê o track no Ride With GPS
O Percurso
O percurso mais comum para visitar o Covão dos Conchos é um traçado linear (ida e volta pelo mesmo caminho), com cerca de 9 km no total (4,5 km por sentido). Apesar de oferecer vistas agradáveis para a Lagoa Comprida, o caminho é, por vezes, bastante degradado e monótono, servindo quase exclusivamente como acesso rápido ao Covão dos Conchos.
Um trilho circular pelas lagoas naturais
A nossa proposta é diferente: um percurso circular por veredas de montanha, que avança pelo planalto e visita várias lagoas naturais de rara beleza. Tal como o percurso mais habitual, começa e termina no estacionamento junto ao paredão da Lagoa Comprida.
Dificuldade e orientação
Embora a dificuldade do trilho não seja elevada (em boas condições meteorológicas), o terreno de montanha é naturalmente irregular e exige atenção à orientação. As veredas estão, na maioria, bem sinalizadas com mariolas (pequenos montes de pedras que indicam o caminho), mas é altamente recomendável o uso de GPS — o track está disponível no Ride with GPS.
Descrição da rota
A primeira parte da caminhada, até ao Covão dos Conchos, é a mais acessível: trilhos bem definidos e pouco desnível. A partir daí, seguimos a rota mais popular até um ponto de bifurcação onde o nosso percurso se separa, contornando a Lagoa Comprida pela margem oposta. Esta segunda parte é um pouco mais exigente, tanto fisicamente como em termos de navegação.
Se o cansaço apertar, ou o tempo estiver a escassear, é possível regressar ao ponto de partida pela rota habitual a partir do Covão dos Conchos.
Distâncias e desníveis
Versão completa: 12,2 km de extensão e 310 m de desnível positivo acumulado
Versão curta: 9 km e 220 m de desnível (semelhante à rota linear habitual)
Nota: Estes valores são apenas indicativos. Deves ter em conta a irregularidade do terreno de montanha e as condições meteorológicas, que podem influenciar bastante o esforço necessário.
Altitude e condições climáticas
Este trilho decorre a altitudes entre os 1500 e os 1700 metros, numa zona onde o tempo pode mudar subitamente. Consulta sempre a meteorologia antes de partir e leva vestuário técnico adequado à estação do ano e às condições previstas. Mesmo no verão, as temperaturas podem ser baixas e o vento forte.


Lagoa Comprida: o início da aventura
O ponto de partida do nosso percurso é a icónica Lagoa Comprida, uma das maiores reservas de água da Serra da Estrela. No local existe uma zona de estacionamento, e algumas barraquinhas típicas onde se pode beber uma aguardente de zimbro ou comprar um autêntico queijo da Serra da Estrela — excelente para reabastecer energias no final da caminhada!
Mochila às costas, começamos por seguir algumas dezenas de metros ao longo da estrada nacional, até encontrar o acesso ao trilho delineado pelas lajes de betão que cobrem o canal de água.
O canal da Lagoa Comprida
Este canal técnico faz parte do extenso sistema hidroelétrico da Serra da Estrela. Conduz a água da Lagoa Comprida até à represa do Covão do Forno, que, por sua vez, alimenta a Central Hidroelétrica do Sabugueiro, onde a força das águas é transformada em energia elétrica.
As lajes de betão que cobrem o canal são robustas e seguras para caminhar, mas recomendo seguir pela vereda lateral sempre que possível — é mais natural e segura, especialmente em condições húmidas ou geladas.
Curiosamente, a Lagoa Comprida também é alimentada por outras represas através de canais subterrâneos. Destacam-se:
A represa do Covão do Meio, situada na Garganta de Loriga
A represa do Covão dos Conchos, que vamos visitar mais à frente no percurso
Este entrelaçado de águas e canais revela não só a beleza natural da serra, mas também a impressionante engenharia de montanha que moldou este território ao longo do século XX.



Covão do Forno
Seguindo o percurso ao longo do canal de montanha, chegamos rapidamente à represa do Covão do Forno. O trilho continua sobre o paredão da represa, mas este é um daqueles locais que convida a parar por uns minutos — seja para descansar, admirar a vista, ou apenas absorver a tranquilidade envolvente.
Últimos metros junto ao canal
Após cruzarmos o paredão, ainda seguimos o canal durante algumas centenas de metros. Em breve, encontramos uma pequena represa auxiliar, também integrada no sistema hidroelétrico. Aqui, deixamos definitivamente o canal para trás.
Para continuar o percurso, é necessário atravessar o muro estreito da represa. Embora não apresente grandes dificuldades, é importante manter o equilíbrio — ninguém quer um mergulho acidental logo no início da aventura!
Veredas e orientação a partir daqui
A partir deste ponto, a navegação faz-se por veredas de montanha. A sinalização natural por mariolas (pequenos montes de pedras) ajuda bastante, mas nem sempre é óbvia, especialmente em dias de nevoeiro ou pouca luz.
Para garantir uma orientação segura, recomendo usar a aplicação Ride with GPS — gratuita, intuitiva e excelente para seguir trilhos mesmo em modo offline. É através dela que partilho atualmente todas as minhas rotas, incluindo esta.
Dica prática:
Antes de iniciares o trilho, descarrega o track GPS e ativa o modo avião no telemóvel para poupar bateria durante a caminhada.
Se quiseres tornar tudo ainda mais fácil, aderir ao Clube Portugal Outdoor no Ride with GPS dá-te acesso gratuito às funcionalidades premium da app para todas as rotas do clube — incluindo esta.
Isso significa que vais poder:
Navegar com orientação curva-a-curva
Descarregar a rota para o telemóvel e usá-la offline
Ver perfis de elevação, estatísticas e mapas detalhados
Tudo isto sem precisares de plano pago — basta juntares-te ao clube com uma conta gratuita!
Lagoa Seca: uma memória viva da glaciação
A primeira das lagoas naturais que vamos visitar é a Lagoa Seca. Tal como muitas outras lagoas do planalto da Serra da Estrela, a sua origem é glaciária — ou seja, formou-se através da sobreescavação provocada pela passagem dos glaciares durante a última era do gelo.
Queres saber mais sobre a ação das glaciações na Serra? Visita o site do Estrela Geopark, que tem recursos incríveis sobre a geologia da região.
Atualmente, a Lagoa Seca encontra-se praticamente colmatada por sedimentos, o que lhe dá um aspeto mais discreto — mas isso não diminui a sua importância.
Na verdade, continua a funcionar como um reservatório natural de água e é um verdadeiro hotspot de biodiversidade. As zonas húmidas como esta desempenham um papel fundamental na recarga dos aquíferos subterrâneos, funcionando como esponjas naturais que alimentam as nascentes e rios da Serra da Estrela durante todo o ano. Mesmo em períodos de seca, é graças a estas lagoas e charcos que muitos cursos de água da Serra continuam a correr.


Lagoa Redonda
Subindo suavemente pela nossa vereda de montanha, rapidamente alcançamos a Lagoa Redonda — uma das mais puras e intocadas lagoas naturais da Serra da Estrela. Encaixada num anfiteatro glaciário, este é um local de rara beleza, moldado pela ação dos glaciares há milhares de anos.
Respeita a natureza: para preservar este ecossistema frágil, permanece sempre na vereda sinalizada e observa (ou fotografa) à distância.
A partir daqui, o terreno torna-se mais irregular, e a nossa vereda terá que ir contornando essas dificuldades que nos surgem ao caminho. Ainda assim, o trilho mantém-se geralmente bem definido e a presença das mariolas (montes de pedras usados há séculos por pastores) facilita a orientação — mesmo em dias de nevoeiro ou neve, comuns a esta altitude.
As mariolas são um legado cultural e prático das gentes da serra — verdadeiros faróis em pedra para quem caminha entre vales e planaltos.
Represas e pastagens: um equilíbrio entre o natural e o humano
Entre a Lagoa Redonda e o Covão dos Conchos, é possível avistar ao longe a represa do Lagoacho, parte do extenso sistema hidroelétrico da Serra da Estrela. É aqui que convergem as águas da conhecida represa do Vale do Rossim e da pequena represa da Erva da Fome, antes de seguirem caminho até à Central do Sabugueiro.
Quase à nossa esquerda, destaca-se o enorme cervunal da Nave Descida, uma suave depressão coberta de Cervum — uma erva que domina estes habitats húmidos e férteis, criando pastagens naturais de exceção.
Sabias que… os cervunais são considerados as melhores pastagens da Serra da Estrela? Se alguma vez se questionaram porque é que o Queijo da Serra tem um sabor tão especial, talvez a resposta esteja aqui!



Covão dos Conchos: entre o fascínio e o excesso
E eis que chegamos ao tão falado Covão dos Conchos. Para muitos, este é o ponto alto da caminhada — o famoso “funil de descarga” que se tornou viral nas redes sociais e que colocou este recanto remoto no mapa turístico de Portugal.
Mas acredito que, para quem até aqui foi descobrindo a verdadeira natureza da Serra da Estrela, esta obra humana (curiosa, sim) será apenas mais um detalhe no meio de um ecossistema muito maior e mais fascinante.
Quando a montanha perde a paz
Depois de horas de silêncio e sintonia com a serra, pode ser um verdadeiro choque chegar a um local onde o ruído, os lenços descartáveis entre os arbustos e a presença de jipes a circular fora de estrada quebram por completo o espírito do lugar.
Infelizmente, este cenário repete-se quase sempre aos fins-de-semana de bom tempo, com filas para a “selfie com o funil” e práticas que colocam em causa habitats sensíveis.
A minha sugestão? Voltar à essência
Se procuras a tranquilidade da montanha, o melhor é evitar as horas e dias de maior afluência. Durante a semana, ou fora da época alta, é possível apreciar este local com outra calma — e com mais respeito pelo que o rodeia.
Mas independentemente do tempo que passares aqui, chega o momento de seguir caminho. Há ainda muito por explorar, e o melhor da serra pode estar mesmo no trilho que se segue.


Regresso à Lagoa Comprida
Do Covão dos Conchos, iniciamos o caminho de regresso à Lagoa Comprida. O trilho segue por um antigo caminho de serviço, mais largo, construído aquando da edificação da represa do Covão.
Este troço é partilhado com a rota mais turística, pelo que aqui é mais visível o impacto da massificação: lixo, trilhos alargados de forma descontrolada e vestígios de circulação motorizada fora dos caminhos. Mas se levantarmos o olhar do chão, somos imediatamente recompensados com a imensidão da paisagem.
Um planalto moldado por gelo e vento
Aqui em cima no planalto os horizontes parecem infinitos. Ao fundo, entre os recortes de granito que separam a terra do céu, o olho mais atento distingue sem dificuldade as silhuetas dos Cântaros. Aqui, onde estamos, a planura deixada pela passagem do glaciar contrasta com os imponentes horizontes de rocha
A resistência do Zimbro
A paisagem é agreste e reflecte o rigor dos invernos. Mas nem os ventos gelados, nem a neve que cobre a Serra durante meses a fio, impedem o Zimbro de dominar a paisagem sub-alpina da nossa Estrela. Para fazer frente às condições extremas que aqui ocorrem, o Zimbro (Juniperus communis ssp alpina) cresce rente ao chão formando almofadas compactas, numa estratégia que também é seguida pelas plantas das ventosas arribas e dunas marítimas da nossa costa.
Curiosidade: são estas bagas de zimbro que os pastores recolhem para aromatizar a famosa aguardente serrana, conferindo-lhe o sabor intenso e característico da montanha.
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Charcas temporárias
Para além das lagoas naturais e permanentes, o planalto da Serra da Estrela ganha uma nova vida na Primavera graças às charcas temporárias — pequenos espelhos de água que surgem com as chuvas e o degelo, criando ecossistemas únicos e cheios de biodiversidade.
Algumas duram poucas semanas, outras resistem até ao verão, mas todas têm algo em comum: são habitats prioritários de conservação e estão entre os ecossistemas mais ameaçados da Serra da Estrela.
Refúgio de vida selvagem
É nestas charcas que muitas espécies de anfíbios (como a rã-ibérica ou o tritão-de-ventre-laranja) vivem e se reproduzem, assim como diversos invertebrados aquáticos cruciais para o equilíbrio dos ecossistemas de montanha. São verdadeiros refúgios de vida, discretos mas fundamentais.
Um ecossistema sob ameaça
Infelizmente, as alterações climáticas — com temperaturas médias em subida e padrões de precipitação mais imprevisíveis — colocam estas charcas na linha da frente da ameaça ecológica. A sua existência está cada vez mais condicionada.
Se não podemos controlar o clima, podemos e devemos proteger estes habitats com os nossos comportamentos enquanto visitantes.
Nunca pises as margens das charcas, evita deixar lixo, não perturbes a fauna… e por mais tentador que seja, não colhas plantas silvestres. Os narcisos que aqui florescem na Primavera são lindíssimos — mas devem continuar a existir para que todos os possam apreciar.



A separação dos caminhos: continuar até à Lagoa Escura ou regressar
Ao aproximarmo-nos novamente das águas da Lagoa Comprida, surgem duas opções claras:
1. Atalhar caminho e regressar diretamente
Se até aqui o percurso já te exigiu bastante, talvez seja sensato optar pelo regresso direto ao ponto de partida. Esta alternativa segue pelo estradão, com a Lagoa Comprida à tua esquerda, e são apenas 2 km de caminho largo e fácil até ao estacionamento.
Ideal para quem:
Está com pouca energia ou tempo
Caminha com crianças ou menos experiência
Prefere evitar zonas mais técnicas
2. Seguir para a Lagoa Escura e completar a rota
Para os mais experientes (ou motivados), o caminho segue à esquerda, numa vereda menos marcada e mais exigente fisicamente. Este troço inclui zonas de trepadas leves, piso irregular e orientação mais desafiante — especialmente em condições de baixa visibilidade.
Mas o esforço é recompensado: a Lagoa Escura é um dos recantos mais selvagens e misteriosos da Serra da Estrela.
Este troço final tem:
4,6 km até ao final da rota
Piso técnico, com zonas de granito e vegetação densa
Paisagens grandiosas e maior sensação de isolamento
A caminho da Lagoa Escura
Optaram por seguir connosco até à Lagoa Escura? Boa escolha!
Este primeiro troço do caminho é pouco percorrido atualmente, mas foi originalmente criado aquando das obras de construção do túnel entre a Lagoa Comprida e o Covão do Meio — uma impressionante estrutura que desvia as águas da Garganta de Loriga para produzir eletricidade deste lado da serra. Com cerca de 2,5 km de extensão, a perfuração deste túnel em pleno granito da Estrela terá sido um feito notável para a engenharia da época.
Ruínas e travessias improvisadas
Pelo caminho, ainda se encontram as ruínas dos edifícios de apoio à obra, mas a ponte que permitia atravessar o pequeno curso de água desapareceu há muito. No verão, a travessia é fácil. Mas com o caudal elevado, será preciso procurar pedras seguras para atravessar — idealmente sem mergulhos inesperados!
Ao chegar à saída do túnel, mais uma vez parece que não há caminho por onde seguir: o canal de receção das águas do Covão do Meio corta-nos o caminho desde a saída do túnel. Mas, olhando com atenção é possível encontrar caminho por cima da entrada do próprio túnel – basta contornar a rocha pelo lado esquerdo do túnel e fazer uma trepada fácil, descendo depois uns metros mais à frente, já do outro lado do canal.
Granito polido e os blocos erráticos
A partir daqui, caminhamos sobre a rocha nua, procurando a melhor linha entre as mariolas que nos guiam. Apesar do terreno parecer agreste, o caminho raramente apresenta obstáculos sérios — é só seguir com atenção.
A rocha granítica aqui deixada quase totalmente a descoberto, foi o resultado da passagem das massas de gelo do glaciar que aqui terá “escorregado” lentamente durante cerca de 100.000 anos. A força impressionante do glaciar terá levado à sua passagem tudo o que não estivesse firmemente “agarrado ao chão” e polindo a superfície de tudo o resto.
No entanto, aqui e ali é possível observar grandes blocos de granito soltos, quase como se ali tivessem sido depositados por mão humana em cima da rocha nua. Esses blocos são também testemunhos da glaciação, tendo sido depositados à medida que o glaciar foi recuando com o aumento das temperaturas que terá ditado o fim da Glaciação de Wurm, há cerca de 10.000 anos atrás.



Os Mistérios da Lagoa Escura: entre a lenda, a literatura e a ciência
E finalmente, após uma jornada repleta de paisagens e história, avistamos a Lagoa Escura. Encravada num mar de granito, silenciosa e poderosa, ela surge diante de nós como a mais lendária lagoa da Serra da Estrela.
Mas… lendária? Sim, e muito!
A Lagoa Escura destaca-se não só pela sua beleza, mas por carregar consigo um manto de mistério ancestral.
Durante séculos, circularam entre os pastores da serra e comunidades locais histórias que a tornaram um símbolo do inexplicável:
“Não tem fundo…”
“É um braço de mar no topo da serra…”
“Nela vivem monstros marinhos…”
“E em noites de tempestade, flutuam à superfície destroços de navios…”
São imagens poderosas — fruto do imaginário oral serrano, alimentado por gerações e talvez, quem sabe, por algumas noites mais regadas a aguardente de zimbro…
Moby Dick e a Serra da Estrela
Estas histórias chegaram tão longe que até encontraram eco em Herman Melville, no clássico “Moby Dick”:
“So that here, in the real living experience of living men, the prodigies related in old times of the inland Strello mountain in Portugal (near whose top there was said to be a lake in which the wrecks of ships floated up to the surface)…”
— Moby Dick, Herman Melville
Uma referência surpreendente, que eterniza esta lagoa nos anais da literatura mundial.
A ciência entra em cena
Durante gerações, estas lendas foram passadas de pais para filhos, sem contraditório — e, por isso mesmo, aceites como verdades absolutas.
Mas tudo mudou em 1881, quando a Sociedade de Geographia de Lisboa organizou a primeira expedição científica à Serra da Estrela.
Guiados por locais que acreditavam firmemente nos mitos da lagoa, os exploradores desafiaram a superstição com curiosidade científica.
Segundo os relatos da época (apesar dos avisos e hesitações dos guias), os membros da expedição lançaram-se à água numa balsa de lona. Com coragem (e talvez alguma teimosia), fizeram o levantamento batimétrico da Lagoa Escura. E sim… a lagoa tem fundo — e no seu ponto mais profundo atinge cerca de 15 metros de profundidade.
Mas… e se ainda houver algo mais?
Mesmo depois de desmontado o mito, há sempre quem queira continuar a acreditar.
Quem sabe se não existe uma “verdade alternativa” por trás dos mistérios da Lagoa Escura?
Foi exatamente isso que o escritor e investigador Nuno Matos Valente, reputado especialista em monstros imaginários, quis explorar quando, há alguns anos, me pediu para o guiar pelas entranhas da Serra em busca dos segredos da Lagoa Escura.
O resultado?
Bom… vão ter mesmo que ler por vocês próprios. Mas deixo já o aviso: “O Segredo da Lagoa Escura” vai mexer de forma fantástica com o vosso imaginário, da primeira à última página. Obrigado, Nuno, por teres criado um dos melhores romances sobre a minha Serra da Estrela!
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Aprende tudo sobre backpacking e como caminhar em autonomia em Portugal. Dicas essenciais sobre equipamento, abrigo, comida e navegação.
Regresso ao ponto de partida
Depois da pausa junto à Lagoa Escura — e quem sabe, com um pouco de sorte, até de avistar um monstro marinho serrano — é tempo de regressar ao ponto de partida da nossa caminhada, no estacionamento junto à Lagoa Comprida.
Descendo entre rochas e mariolas
O caminho segue agora sempre em descida, mas nem sempre será óbvio qual a melhor direção a tomar.
Nesta fase, é essencial:
-
Usar o GPS como linha orientadora
-
Seguir com atenção as mariolas (que por vezes são escassas e pouco perceptíveis)
-
Evitar forçar passagem por zonas com ressaltos ou blocos instáveis
Apesar de não existirem escarpas perigosas, o terreno é irregular e com muitos blocos de granito, pelo que seguir o “caminho certo” pode exigir recuar uns metros até à última mariola e observar melhor a paisagem à procura da passagem mais fluída.
Esta é, sem dúvida, a parte mais exigente em termos de orientação. Mas com calma e atenção, é sempre possível encontrar a melhor rota até ao paredão da lagoa.
Últimos metros até à civilização
No final desta zona mais labiríntica, será necessário transpor um pequeno muro e seguir caminho junto ao paredão da Lagoa Comprida. Esta primeira secção do paredão funciona como descarga de superfície, mas raramente está ativa — o que significa que poderão caminhar por ali sem dificuldade.
Ao chegar ao final da zona de descarga, contorna-se um segundo muro e, a partir daí, regressamos a chão firme.
Sobe os degraus, percorre o passadiço sobre o paredão que sustém a Lagoa Comprida e, ao descer os degraus do lado oposto… estás de volta ao estacionamento onde tudo começou!

Dicas úteis para explorar esta rota
Como chegar à Lagoa Comprida
Não existem transportes coletivos regulares até à Lagoa Comprida. No entanto, se quiseres evitar levar carro, aqui vai uma alternativa:
Rede Expressos até Seia
Autocarro local até ao Sabugueiro (a aldeia mais alta de Portugal continental)
A partir do Sabugueiro:
Caminhada até à Lagoa Comprida (cerca de 7 km)
Táxi (disponíveis em Seia, mas não na aldeia do Sabugueiro)
Tentar uma boleia
Onde dormir
No Sabugueiro não faltam opções de alojamento, desde pensões a turismo rural.
Mas a minha recomendação vai obviamente para a Sambuc’asa — a casa de campo (TER) do meu anfitrião e amigo Nuno Meireles. Um alojamento com alma serrana, conforto e uma ótima base para explorar a Estrela!
Onde comer
Também no Sabugueiro encontrarás diversos restaurantes e tasquinhas onde saborear pratos tradicionais e, claro, sandes de Queijo da Serra. Vai à descoberta… e depois conta-me qual foi o teu sítio favorito!
Meteorologia local
Para além das previsões oficiais do IPMA, existem vários projectos locais de meteorologistas amadores, mas que têm um conhecimento do território que lhes permite ser muitas vezes mais assertivos. Destaco as previsões do Vitor Baia e o projecto MeteoEstrela.
Água
Leva sempre 1 a 1,5 litros de água, no mínimo
Existem regatos, lagoas e represas ao longo do percurso, mas a água não deve ser bebida sem tratamento
Usa filtros próprios para actividades outdoor ou pastilhas desinfetantes
Rede de telecomunicações
Em grande parte da rota não existe rede móvel. Em caso de emergência:
Caminha em direção à Lagoa Comprida
Procura um ponto mais alto para tentar sinal e ligar para o 112
Contacto de emergência em montanha
Além dos serviços normais de emergência (112), existe na serra uma equipa especializada da GNR UEPS – Unidade de Emergência de Proteção e Socorro, preparada para operações de busca e salvamento em montanha.
Outros sites com informações do território:
Perguntas Frequentes
O que é o Covão dos Conchos?
O Covão dos Conchos é uma lagoa artificial na Serra da Estrela com um impressionante túnel de escoamento de água em forma de funil. Foi construído em 1955 e tornou-se famoso por parecer uma “entrada para outro mundo”.
Onde começa e acaba esta rota?
O ponto de partida e chegada é o parque de estacionamento da Lagoa Comprida, acessível pela estrada N339 na Serra da Estrela.
Qual a distância e duração da rota?
A rota tem cerca de 12 km e demora em média 5 a 6 horas a ser percorrida, com pausas incluídas.
A rota é difícil?
É de dificuldade moderada, com desníveis suaves, alguns troços mais técnicos e terreno de montanha. Recomendado para quem já tem alguma experiência em caminhadas.
O percurso está sinalizado?
Não é oficialmente marcado, por isso é essencial levar um GPS ou app de navegação. A rota está disponível no Clube Portugal Outdoor no Ride with GPS, com instruções áudio e mapas offline.
Posso levar o meu cão?
Sim, desde que habituado a trilhos e sempre com trela. Não há sombras em toda a rota, por isso é importante levar água para ambos.
Há cafés ou pontos de apoio no percurso?
Não. O único ponto com serviços é na Lagoa Comprida, antes ou depois da caminhada. Leva sempre água, snacks e proteção solar.
Posso fazer esta rota todo o ano?
Primavera e outono são as melhores estações. No verão pode fazer muito calor, e no inverno é comum haver neve ou gelo – verifica sempre a meteorologia antes de ir.
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