Gravel Birds
o Alentejo em Bikepacking
A Gravel Birds é um pedacinho do meu Alentejo.
É uma proposta para pedalar devagar pelas planuras infinitas do Campo Branco, pelo imenso Vale do Guadiana, pela remota serra quase-algarvia do Caldeirão e pelas arribas da magnífica Costa Atlântica.
É um convite para nos demorarmos nas aldeias brancas, para sentir a solidão da paisagem, para respirar o espírito único que se vive no Alentejo.
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A rota Gravel Birds começa e termina em Castro Verde, num loop de quase 750 km. O piso maioritariamente fora de estrada é gravel friendly, os desníveis são (quase sempre) reduzidos e a distância entre aldeias permite que raramente estejamos demasiado isolados, sendo a rota perfeita para explorar o Alentejo Profundo, quer por bikepackers experientes, quer por quem se está a iniciar nestas coisas das ciclo-viagens de aventura.
Sem etapas definidas (apenas sugeridas para facilitar o planeamento da rota), a Gravel Birds foi desenhada para ser feita ao ritmo de cada um. É uma rota de aventura e nem sempre existe disponibilidade de serviços como restaurantes e alojamentos, pelo que o ideal será percorrê-la em autonomia suficiente para passar (pelo menos) algumas noites ao luar (os lavadouros públicos das aldeias alentejanas são perfeitos hotéis de improviso para bikepackers). Alguns troços mais remotos, como a margem esquerda do Guadiana ou a travessia da Serra do Caldeirão, implicam um desafio extra, quer pela falta de pontos de apoio, quer pela exigência física.
A Primavera é sem dúvida a altura ideal para percorrer a Gravel Birds, com temperaturas mais amenas, menor probabilidade de calor ou chuva e com os campos a explodir em flor. Durante o Inverno e em períodos mais chuvosos a passagem de algumas linhas de água poderá estar condicionada e, durante o Verão, as temperaturas demasiado elevadas poderão ser menos convidativas. No entanto, para quem não se intimida com essas adversidades, a rota está lá todo o ano.
E a Primavera é também uma das melhores alturas para observar a passarada que inspirou a criação desta rota. O Alentejo é uma das grandes referências internacionais de birdwatching, com particular destaque para as pseudo-estepes de Castro Verde, o Vale do Guadiana e a Costa Alentejana. Serão as Abetardas, os Rolieiros, os Cortiçois, as Cegonhas Negras, os Grous, os Sisões, as Águias Pesqueiras, as Cobreiras, as de Bonelli e as Imperiais, os Peneireiros, os Tartaranhões e os Alcaravões (entre centenas de outras espécies com nomes estranhos) que vos irão acompanhar nesta viagem. Podem deixar o telescópio e o tripé em casa, mas pelo menos um guia de aves deveria ser item obrigatório nos vossos alforges.
A Gravel Birds não é uma rota “oficial”. Foi idealizada (e desenhada) por mim e será uma rota aberta, que poderá ser livremente percorrida por qualquer um e em qualquer altura do ano. Mas juntamente com a criação da rota, nasceu também um evento de ultraciclismo com o mesmo nome. O evento Gravel Birds, a realizar anualmente e que teve a sua Edição Zero em Setembro de 2022, é uma aventura colectiva de superação pessoal e um desafio de autossuficiência em bicicleta, inspirado em muitos outros eventos que já ocorrem por todo o mundo. Clica aqui para saberes mais sobre o evento.
01. de Castro Verde a Beja
93 km | 980 d+
Bem descansados depois da noite no 4Bs – Bed&Breakfast | Birds&Bikes, seguimos pela planura afora. Basta seguir a linha colorida do GPS. A partida simbólica é na Praça da República, ponto central da vila, e rapidamente deixaremos o asfalto para trás.
Junto à aldeia dos Giraldos voltamos a apanhar asfalto, seguindo em estrada bem estreitinha e quase sem trânsito até ao topo de S. Pedro das Cabeças. No topo do cabeço, uma ermida assinala o local histórico da Batalha de Ourique, onde se diz que em 1139 D. Afonso Henriques terá derrotado um enorme exército muçulmano. De acordo com a lenda, no final da batalha, D. Afonso Henriques terá cortado as cabeças aos cinco reis mouros derrotados e se auto-proclamado Rei de Portugal. Ou seja, se Guimarães é o berço de Portugal, terá sido em Castro Verde que o reino foi concebido.
Lá de cima, de S. Pedro das Cabeças, comprova-se que o Alentejo é mesmo infinito, mas também que o nosso próximo destino fica já ali: o alto de Aracelis. De caminho, temos ainda que cruzar a ribeira de Cobres (que durante quase todo o ano se passa sem molhar os pés) e poderemos aproveitar para petiscar ou beber um café na aldeia de São Marcos da Ataboeira.
Nestes primeiros kms existem algumas cancelas ou portões que poderão obrigar a várias paragens. É muito importante que voltem sempre a fechar todos os portões que se encontrem fechados, por causa do gado e para garantir uma convivência saudável entre ciclistas e proprietários. Mas será apenas uma situação pontual, pois no resto da rota poucos serão os portões que se encontram fechados.
Entre São Marcos da Ataboeira e Aracelis o caminho faz-se por uma estrada que mais parece para carros de brincar, de tão estreita que é. A cénica língua de asfalto convida a pedalar de olhos deslumbrados no horizonte e a demoradas pausas fotográficas. Aracelis, ou como quem diz “o altar dos céus”, impõe uma nova pausa. Lá em cima, no pátio da ermida, respira-se tranquilidade e espiritualidade. Lugar de cultos perdidos no tempo, terá sido altar sagrado muito antes do cristianismo ter sido inventado.
Tal como as paisagens, também os caminhos são fluidos e suaves. Pouco depois da pequena aldeia da Corte Pequena, à distância de um curto desvio, fica a colossal Azinheira do Monte Barbeiro. Eleita Árvore do Ano em 2019, merece uma visita e uma boa sesta à sombra dos seus quase 500 metros quadrados de copa.
Na aldeia do Azinhal seguimos um pouquinho por asfalto até Algodor, onde retornaremos a pisar terra. O estradão largo tem um piso tão suave que mete inveja a muitas estradas nacionais. Na aldeia do Mosteiro aproveitem para uma pausa no café da D. Maria, pois será o último sítio onde podem comer uma sandes durante os próximos 20 km.
A travessia da ribeira de Terges será a primeira dificuldade digna de nota da Gravel Birds. A descida é longa e a subida do outro lado interminável. Durante o Verão a travessia é feita completamente a seco, mas no resto do ano a passagem é feita a vau. Em períodos mais chuvosos a passagem é de todo impossível e a única alternativa é pela estrada asfaltada que havíamos cruzado entre o Azinhal e Algodor. Na dúvida, perguntem no Mosteiro como está a travessia da ribeira, pois o caminho é bastante usado pelas gentes locais.
O ondulado do terreno volta depois a dar lugar às extensas planuras que envolvem a cidade de Beja e ao flagelo do regadio, que tanto tem transformado a paisagem alentejana. Cabeça Gorda, Santa Clara do Louredo e já estamos às portas da capital do Baixo Alentejo. Em Beja podem aproveitar para apertar algum parafuso solto na bicicleta na Beja Bike Store, pois só voltaremos a ter uma oficina especializada em ciclismo ao retornar a Castro Verde (N2 Bike e BikeZone Castro Verde).
02. de Beja a Mértola
122 km | 1370 d+
Repostas as energias e os mantimentos na cidade de Beja, é hora de seguir caminho até à outra margem do Guadiana. Por entre quintas e olivais regados gota-a-gota, o percurso faz-se num misto de asfalto e terra batida por caminhos rurais e de acesso local.
A travessia do Guadiana faz-se pela ponte da estrada nacional. A berma é larga (mas em terra batida) e dá alguma protecção do tráfico automóvel, em especial dos muitos pesados que ali circulam. Mas passada a ponte, é tempo de fugir da estrada e seguir até Serpa pelo sossego dos caminhos rurais.
Em Serpa, a Cervejaria Lebrinha (onde reza a lenda que as imperiais nunca morrem) é paragem quase obrigatória, mas não se esqueçam de também repor os outros líquidos nos cantis (e todos os mantimentos necessários) para enfrentar o carrossel do Guadiana. Logo a seguir a Serpa ainda existe a pequena localidade de Santa Iria, mas em Serpa será mais fácil encontrar o que precisamos.
A Gravel Birds segue agora por um dos seus territórios mais remotos. A margem esquerda do Guadiana, entalada entre o rio e a fronteira com Espanha, sempre foi uma terra de ninguém e hoje em dia muito pouco mudou. Entre as aldeias de Santa Iria e Corte Sines esperam-nos cerca de 30 km longe do mundo e onde apenas poderemos depender de nós próprios. Aqui, à exigência física do sobe e desce constante, soma-se a travessia de uns quantos afluentes mais selvagens do Guadiana e que, em períodos mais chuvosos, poderá ser um desafio demasiado extremo.
Entre a Corte Sines e a Mina de S. Domingos já o terreno é mais rolante e a coisa fica mais facilitada. Na antiga aldeia mineira, hoje em dia de grande interesse turístico, não faltam opções para comer ou dormir debaixo de tecto. A praia fluvial é fantástica para um mergulho no Verão ou para bivacar no Inverno e a visita às antigas minas é também obrigatória. A Mina de S. Domingos, explorada desde a antiguidade, chegou a ser a maior exploração mineira em Portugal até aos anos 30 e foi explorada até meados do século passado pela empresa britânica Mason & Barry, que dali extraiu mais de 20 milhões de toneladas de minério. Ao total abandono desde então, é agora o peculiar cenário pós-apocalíptico de milhares de fotos no Instagram.
A partir da Mina de S. Domingos o caminho faz-se, obviamente, pela antiga linha de comboio que transportava o minério até ao Pomarão, de onde seguia de barco para outras paragens. Toda a paisagem envolvente é um cenário surreal, desde as terras estéreis e avermelhadas às ruínas da Achada do Gamo. Santana de Cambas, terra raiana de contrabandistas, tem um museu dedicado a isso mesmo e que merece uma visita.
Os primeiros kms da linha são de pedalada fácil e sem complicações, mas a partir do Monte dos Bens, uma série de obstáculos aumenta o desafio. Muitas das pequenas pontes da linha de comboio encontram-se destruídas e é necessário contorná-las a pé, mas é a travessia dos vários túneis que faz disparar os índices de aventura. Apesar da linha de comboio continuar a ser bastante percorrida, principalmente a pé, a vegetação vai teimando em reclamar terreno à entrada de alguns túneis. No Pomarão, a dois passos da fronteira espanhola, ainda são bem visíveis os vestígios do antigo porto fluvial. Bom spot para uma pausa à beira-rio antes de nos fazermos à longa subida que se segue.
A caminho de Mértola, são várias as aldeias aparentemente desertas mas ainda cheias de vida. Picoitos, Alves, Tamejoso, Fernandes. Mértola fica agora já ali, apenas à distância de um curto hike-a-bike para descer um trilho antigo e de nova travessia do Guadiana.
03. de Mértola a S. Barnabé
94 km | 1400 d+
Já do lado de cá do Guadiana e depois de um merecido descanso, há que retomar caminho. Mértola é conhecida pela sua excelente gastronomia e não será fácil largar o prato, mas as magníficas vistas ao longo do Guadiana ajudam a deixar para trás as sopas de peixe do rio.
A Gravel Birds começa entretanto a inflectir para o “interior” (como se as margens do Guadiana fossem litorais) e, a seguir aos Sapos iremos deixar a gravilha por algum tempo. A estrada que liga os Namorados a João Serra é uma magnífica ciclovia e não a poderíamos passar ao lado.
Nas antigas Termas da Água Santa da Morena a água sulforosa e a cheirar a ovos podres ainda corre na bica, mas há muito que as instalações deixaram de acolher banhistas. Na Corte Pão e Água podem fazer a pausa para tirar a foto da praxe junto à curiosa placa toponímica e será logo a seguir a Alvares que o asfalto se volta transformar em gravilha.
Penilhos, Martinhanes e meia dúzia de pedaladas depois voltamos às termas, desta vez à Água Santa da Herdade. Neste improvável SPA à alentejana, para além dos banhos curativos em água aquecida a fogo de lenha e carregada em baldes à força de braço, é também possível pernoitar durante a curta época termal, entre 24 de Junho e o final de Agosto. As instalações para os aquistas são para lá de básicas, mas a experiência será sem dúvida para recordar. Para além das casas de alojamento, existe um bar onde ninguém passa fome ou sede, mas se o plano for ficar por lá o melhor é ligar antes e confirmar a reserva (João Domingos – 968 960 903). Aqui, mais uma vez, a travessia da ribeira poderá ser complicada em alturas de muita chuva e implicar desvio por estrada.
Retomando o caminho, com os horizontes incrivelmente vastos e a gravilha de classe premium, rapidamente chegamos a São Miguel do Pinheiro. As aldeias começam ficar mais espaçadas e há que aproveitar as ainda que têm uma porta aberta para nos servir um café ou uma sandes em pão alentejano, cozido em forno de lenha e em padarias locais.
Para tanta terra, são muito poucos os que aqui vivem e ainda menos os que vêm de passagem, mas o isolamento que aqui se vive contrasta fortemente com a qualidade dos caminhos que cruzam a paisagem. O piso em terra e gravilha é mais suave e fluído que muitas estradas asfaltadas, convidando a pedalar sem tempo e de olhos perdidos no horizonte.
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S. Pedro de Sólis, Fialho, Santa Cruz. Últimas oportunidades para repor mantimentos antes de nos adentrarmos pela Serra do Caldeirão. Com a proximidade à ribeira do Vascão, fronteira natural com terras algarvias, o relevo começa a empenar e a anunciar as dificuldades que aí vêm. Corvos, Monte Novo, Fornalha, Corte Figueira, Ameijoafra. São vários os montes habitados que ainda persistem neste território esquecido, mas a oferta de serviços é coisa rara e, ou vamos preparados, ou vamos ter que andar a bater às portas para encher os cantis.
Durante os meses de verão, o rio Vascão que vai correndo ali ao lado, até parece adormecido, mas com o regresso das chuvas revela-se de forma impressionante e torna impossível a fácil travessia para o Algarve. Mas não será o nosso caso, pois o nosso caminho não o cruza para além do Alentejo. Nascido no alto do Caldeirão e a desaguar no Guadiana, o Vascão tem a curiosidade de ser o mais longo rio português totalmente livre de barragens ou outras interrupções artificiais. Um verdadeiro rio selvagem.
A longa subida leva-nos ao alto do Caldeirão, passando junto à nascente do rio Mira antes de cumearmos a serra no Pico do Mú, que a 574 metros acima do mar constitui o ponto mais elevado da Gravel Birds e também do Baixo Alentejo. Do outro lado a subida é abrupta mas breve, pois volta logo a subir violentamente até à aldeia de Felizes. Nome relativamente irónico para quem lá chega de bicicleta, mas que talvez se explique pelo bom medronho que ali se bebe. E outro bónus desta aldeia, principalmente para quem pedala em autonomia total, é que os balneários públicos têm chuveiro e água quente. Um luxo.
Depois do duche e dos shots de medronho, o caminho volta a descer, desta vez para seguir ao longo dos meandros da ribeira de Odelouca. Se não me enganei a contar, são 13 as vezes que a rota cruza a ribeira e, a julgar pela torrencialidade típica das ribeiras do sul, não será pêra doce fazer este troço em pleno inverno. Em alternativa, existe uma ligação directa por asfalto do Pico do Mú até S. Barnabé.
Em S. Barnabé não abundam as opções de alojamento, restaurantes ou outros serviços, mas em plena Serra do Caldeirão será a melhor alternativa para fazer uma pausa. O pequeno parque de merendas junto à ribeira de Odelouca e ao restaurante A Fonte poderá ser boa opção para uma espécie de bivaque improvisado.
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04. de S. Barnabé a Odemira
83 km | 1130 d+
Ainda em plena Serra do Caldeirão, as maiores dificuldades da Gravel Birds ainda não ficaram para trás. O piso é quase sempre óptimo, gravilha de primeira qualidade, mas não dá para escapar ao sobe e desce quase constante. E aldeias por ali, nem vê-las: apenas mais de 20 kms depois de S. Barnabé, num café/restaurante à beira do IC1, será possível reabastecer a despensa.
Depois de cruzar o tal IC1, serão novamente mais cerca de 20 kms até chegarmos a Santa Clara-a-Velha. Até lá, existirá apenas um café no Monte da Ribeira, o hotel da barragem de Santa Clara e um eventual café improvisado na praia fluvial da barragem durante a época balnear. Yap, isto é mesmo remoto.
Em Santa Clara-a-Velha, a praia fluvial no rio Mira convida a um mergulho e uma sesta depois de tirarmos a barriga de misérias. Até mini-mercado, farmácia e multibanco existem por aqui. Bem-vindos de volta à civilização. E entre Santa Clara-a-Velha e Sabóia também temos plano de fuga: quem já vier farto disto, poderá apanhar o comboio e seguir até casa (ou pelo menos fugir do Alentejo) pela Linha do Sul.
Ok, não apanharam o comboio? Então vamos seguir ao longo do Mira.
Depois de Sabóia, a Gravel Birds vai seguir até Odemira ao longo do seu rio, mas ainda há algumas dificuldades pelo caminho. Após alguns kms a rolar tranquilamente pela margem, o caminho fácil dá lugar a um bom empeno para ultrapassar meia dúzia de cabeços. A boa notícia é que do outro lado será uma longa descida até encontrar novamente o rio.
Ao chegar ao rio, existem 3 ou 4 cancelas (que deverão voltar a fechar, caso estejam fechadas) e o caminho de bom piso até aí fica meio apagado pelas ovelhas que ali pastoreiam entre as cercas. Após a última cancela, o caminho volta a ser uma autêntica auto-estrada, com piso excelente e super fluído. Até Odemira, e sempre a par com o rio, será sempre a fundo. Odemira, com o mar já quase ali ao lado, será o local perfeito para passar mais uma noite e descansar o corpo da longa travessia do Caldeirão.
05. de Odemira a Porto Côvo
86 km | 830 d+
Já começa a cheirar a mar. Depois de cruzar o Mira, a Gravel Birds segue ainda um pouco junto ao rio, mas agora pela outra margem e em sentido contrário. O terreno continua ondulado, mas sem complicações e com piso óptimo para rolar sem preocupações.
Rapidamente chegamos a S. Teotónio e o cheiro a caril e outras especiarias convida a provar a neo-gastronomia asiática, que já vai fazendo parte dos menus locais. Chamuças e Tikka Masala para desenjoar das barras de proteína. E por entre os plásticos do mar de estufas chegamos finalmente ao Atlântico!
A praia do Carvalhal é o spot perfeito para nos dar as boas vindas ao mar. Impossível resistir a um mergulho ou pelo menos a ir molhar os pés, mas oportunidades não faltarão, pois agora iremos seguir o mais possível junto à costa. A Zambujeira, que fica logo a seguir, rima com navalheira (e com percebes e com moreia frita e com imperiais fresquinhas) convida a nova pausa. Existem campings junto à praia do Carvalhal e na Zambujeira.
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A seguir ao Porto das Barcas, a Gravel Birds sai do asfalto e passa a seguir sobre as falésias até ao Farol do Cabo Sardão e do Cavaleiro ao Almograve será a rolar (novamente em asfalto) por entre as estufas de mirtilos, alfaces e tomate cherry. Em Almograve, a Pousada de Juventude será o sítio perfeito para pernoitar, caso queiram ficar já por aqui para desfrutar da praia. Na Logueira, atalhamos pela gravilha e seguimos até Vila Nova de Milfontes, com a travessia do Mira pela ponte rodoviária.
Em Milfontes não faltam opções para comer e dormir bem, incluindo dois parques de campismo para montar tenda ou dormir em bungalow. Seguindo caminho, até à praia do Malhão apenas será preciso pisar o asfalto por escassos metros, mas atenção aos carros que passam a voar naquela estrada. Se não houver pressa, a praia do Malhão será paragem obrigatória, apesar de terem que carregar a bike às costas pela escadaria de madeira.
Entre a praia do Malhão e a ilha do Pessegueiro teremos uma pequena travessia do deserto. O caminho de areia, umas vezes mais solta que noutras, vai obrigar a fazer pelo menos parte destes 4 km em hike-a-bike. Não é que seja fácil ultrapassar esta dificuldade, mas é um pequeno preço a pagar para escapar à fúria dos automobilistas que se deslocam pela perigosa estrada paralela. Pouco antes de chegarmos à Fortaleza do Pessegueiro, o estradão passa a ser perfeitamente ciclável e podemos respirar de alívio.
Ao chegar a Porto Côvo, a Gravel Birds segue “oficialmente” pela vereda sobre a falésia, mas quem se ficar pela aldeia para pernoitar ou reabastecer, basta inventar caminho pelas ruas da localidade. De qualquer forma, a vereda pela falésia tem vistas espectaculares e vale a pena percorrê-la.
06. de Porto Côvo a Almodôvar
139 km | 1810 d+
Depois de Porto Côvo, a Gravel Birds ainda segue um pouquinho junto ao mar. Em jeito de despedida do Atlântico, seguiremos pelos passadiços e veredas sobre a falésia até pouco depois da Samouqueira, uma das minhas praias preferidas na Costa Alentejana.
E pronto. Estava a saber muito bem pedalar junto ao mar, mas lá teremos que rumar novamente ao interior. O caminho faz-se agora a rolar por entre quintas e por um pequeno sobreiral que foi resistindo à eucaliptização das serras do litoral alentejano. Pausa para um café na Sonega e siga para o Cercal.
O Cercal será agora a maior localidade nos próximos mais de 100 km que temos pela frente, por isso é de aproveitar para reabastecer a despensa. Entre o Cercal e Almodôvar não faltam aldeias com cafés e mercearias, mas algumas necessidades mais específicas poderão não estar disponíveis.
Após a passagem na Aldeia do Cano, a ermida da Senhora das Neves fica ali fora de rota a implorar por uma visita. O desvio é curto, mas nem por isso fácil. As vistas lá de cima serão, no entanto, recompensadoras do esforço extra. E um pouco mais à frente, a Gravel Birds irá passar mesmo à porta da Tamera, a conhecida comunidade alternativa que ali se estabeleceu desde o final dos anos 70 para fugir ao mundo. Se estiverem curiosos, existe um programa de visitas e até opções de alojamento a quem quiser ficar uns dias por lá.
Seguindo caminho pelo ondulado da paisagem, chegamos a Amoreiras Gare, que é como quem diz, a aldeia da estação das Amoreiras. Não quero dar ideias, mas aqui terão nova oportunidade para apanhar o comboio e voltar a casa antes do tempo. E em Garvão, terra de bons enchidos, aproveitem para uma pausa e para provar as especialidades locais.
O Sado passa agora aqui ao lado, mas de rio ainda tem muito pouco. A muito custo lá vai alimentando a barragem do Monte da Rocha, mas os níveis quase sempre muito baixos da barragem são um dramático indicador das Alterações Climáticas que cada vez vão ficando mais difíceis de ignorar. Pouco depois de passar junto ao paredão da barragem, o camping do Monte da Rocha é mais uma opção para pernoitar.
Aos poucos, o ondulado da paisagem vai ficando mais suave e já se anuncia o derradeiro regresso à planície, mas ainda há muito que pedalar.
O Castro da Cola é desvio obrigatório. As ruínas indiciam uma longa ocupação desde o neolítico até à época medieval e estima-se que terá sido um dos lugares mais importantes e influentes da pré-história ibérica. Junto às ruínas, para além da ermida, existe um centro interpretativo, um restaurante e várias opções de alojamento.
E mais uma vez cruzaremos o Mira, que nos tem acompanhado desde a nascente no topo do Caldeirão até à foz em Vila Nova de Milfontes. Aqui junto ao Castro da Cola, pouco antes de dar corpo à barragem de Santa Clara, passa-se a seco no Verão mas será preciso molhar o pé (ou ter que ir à volta) durante o Inverno.
Junto ao IC1, a Taberna Cabrita poderá ser porto seguro para petiscar ou beber qualquer coisa antes de chegarmos às aldeias de Gomes Aires e de Santa Clara-a-Nova. E se ainda houver folga nas pernas, as ruínas arqueológicas das Mesas do Castelinho (que ficam pouco depois de Santa Clara-a-Nova) também merecem uma visita. A jornada já vai longa, mas Almodôvar fica já ali.
Em Almodôvar, as opções de restaurante e alojamento são várias e o descanso será bem merecido. Mas para além dos comes e dormes, em Almodôvar é também obrigatória a visita ao Museu da Escrita do Sudoeste, que reúne os tablets de pedra onde os alentejanos primitivos deram o seu contributo para a invenção da escrita. Nós, os alentejanos, sempre fomos muito à frente.
07. de Almodôvar a Castro Verde
123 km | 1120 d+
Última jornada. Já “só” faltam 123 km para regressar a Castro Verde e a subida à ermida de Santo Amaro será perfeita para aquecer as pernas.
Com o regresso à planície e gravilha bem rolante, num instante chegaremos à Corte Zorrinho. Bom sítio para uma pausa e um café, pois só em Ourique voltaremos novamente a ter oportunidade para tal. A Auto-estrada do Sul é cruzada sem pagar portagem e, entre montados e porcos pretos a pastar bolota, chegamos a Ourique, a capital do tal Porco Alentejano. Secretos, presas e plumas depois, lá teremos que retomar caminho, nem que seja para procurar um bom chaparro e dormir a sesta.
Depois de alguns kms de boa gravilha, teremos que pedalar outros tantos por mau asfalto. A antiga e esburacada estrada paralela ao IC1 não é o mais belo dos caminhos da Gravel Birds, mas foi o que se arranjou para chegar à Estação de Ourique. Aqui, na aldeia da estação, os comboios já não trazem passageiros e a taberna da Ti Mariana da Estação já não tem a porta aberta para nos servir uma mini e dois dedos de conversa, mas ficam as memórias de outros tempos. Um curto desvio pela aldeia comunitária dos Aivados, e será a rolar por asfalto até Casével.
E depois de Casével, acabaram-se as aldeias. Pela nossa frente, apenas a vila mineira de Aljustrel e muitos kms de planície.
Na antiga estação de Casével já nem comboios passam. O cénico edifício em ruínas é agora uma importante colónia de Peneireiro das Torres, um dos passaritos da gravilha que tanto gostamos e que cada vez é mais raro nos céus alentejanos, e que por isso devemos apenas fotografar de longe e respeitar o distanciamento social para não causar perturbação.
Em Aljustrel, a vida vive-se em torno da sua mina. Desde a Idade do Cobre que lá anda pessoal a sacar minério do chão e, hoje em dia, toda a gente ou lá trabalha, ou tem um primo ou uma tia ligada à mina. Até Castro Verde já “só” faltam cerca de 50 km, mas se não houver pressa ou se quiserem conhecer um pouco mais de Aljustrel, será um bom local para passar mais uma noite.
Seguindo caminho, a Gravel Birds cruza a Nacional 2 e passa junto às Teleiras das Pedras Brancas, onde antigamente se queimava o minério em bruto para se lhe extrairem os vários componentes em que aqui o subsolo é rico: cobre, ferro, zinco e chumbo.
Aos poucos, a paisagem vai cada vez mais sendo aquela dos postais do Alentejo: as árvores cada vez mais escassas e os horizontes cada vez mais amplos, tal como a Abetarda, a rainha da estepe, tanto gosta. Com sorte, ainda nos cruzamos com alguma.
O fim da Gravel Birds aproxima-se a cada pedalada e Castro Verde já surge no horizonte, mas ainda há desculpas para uma pausa. No Monte Paraíso, uma das propriedades que a Liga para a Protecção da Natureza tem em redor de Castro Verde, as ruínas do monte são agora a casa de Peneireiros e Rolieiros. Mais uma vez, sem nos aproximarmos para não causar perturbação, será uma boa oportunidade para observar estas magníficas aves. E já agora, evitem parar na adega das Fontes Bárbaras, pois correm sérios riscos de só conseguir sair de lá no dia seguinte.
Os últimos kms são já de contemplação. Planícies e horizontes infinitos. Na derradeira recta final, a gravilha premium dá lugar a um pedacito de asfalto e já estamos de regresso a Castro Verde. À janela sobre a planície.
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